População britânica se
uniu em campanhas panfletárias inéditas pelo fim do tráfico de escravos,
ocorrido há 200 anos.
Há exatos 200 anos o tráfico de escravos foi proibido na
Inglaterra. Foi a primeira vitória de uma campanha que fez do Império Britânico
– que no século 18 tinha vendido cerca de 3 milhões de escravos para a América
– uma força abolicionista que acabaria com o comércio em todo o Atlântico mais
tarde. A história contada geralmente é que os ingleses fizeram isso por
interesses próprios, para criar um mercado consumidor na América. As origens do
abolicionismo inglês não são consenso entre os historiadores, mas sabe-se que o
movimento teve uma participação popular inédita – e muito maior do que os
livros didáticos costumam ensinar.Organizado em comitês e contando com mulheres, religiosos e cidadãos comuns que saíam de porta em porta distribuindo panfletos e juntando abaixo-assinados, o abolicionismo britânico seria um modelo dos movimentos sociais que marcariam o século 19. A mobilização começou em 1787, quando 12 amigos criaram a Sociedade para a Abolição do Comércio de Escravos. Para mudar o pensamento da época, usaram armas que depois se tornariam comuns, como a propaganda em panfletos e jornais, os boicotes e as petições públicas. “Foi a mais impressionante campanha de opinião pública que o Ocidente viveu antes do século 20”, afirma Manolo Florentino, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Com um objetivo e uma estratégia clara, os abolicionistas transformaram uma idéia absurda em lei aprovada pelo Parlamento.”
Por muito tempo, acreditou-se que a campanha abolicionista só tinha dado certo porque as colônias britânicas na América estavam em declínio – e, portanto, a escravidão não era mais importante para o império. O historiador americano Seymour Drescher abalou a idéia com o livro Econocide (“Econocídio”, inédito em português). Para ele, o fim da escravidão acabou é prejudicando a economia britânica. Muitas das cidades mais ativas na abolição, como Manchester e Liverpool, eram as que mais lucravam vendendo para mercados aquecidos com o comércio de escravos, como a África e a América. “Quem apoiava o tráfico poderia muito bem acusar os abolicionistas de agir contra seus próprios interesses”, escreveu Drescher em outro livro sem tradução em português, Capitalism and Antislavery (“Capitalismo e abolicionismo”). “Hoje, a teoria de Drescher de que a abolição foi um fenômeno cultural é inquestionável. Lamentavelmente, a idéia ainda não chegou aos livros didáticos do Brasil”, afirma Florentino.
Os pilares do movimento
A luta contra a escravidão era apoiada em quatro bases.
Religiosos
Os amigos que criaram a Sociedade para a Abolição do
Comércio de Escravos eram ligados a instituições religiosas, como a igreja
anglicana e os quakers, protestantes. Entre outras coisas, organizavam boicotes
a produtos feitos por escravos. Em 1787, Thomas Clarkson, filho de reverendo,
fez com que 300 mil pessoas deixassem de consumir açúcar das Índias Orientais
em protesto contra a escravidão.
Mulheres
Apesar de na época não terem direito ao voto, foram
peça-chave na luta. Além de contribuírem com os comitês oficiais, elas tinham
suas próprias instituições, como a Sociedade Feminina de Birmingham, e seus
meios de propaganda. A abolicionista mais radical foi Elisabeth Heyrick, que,
em 1824, publicou o panfleto Abolição Imediata e não Gradual. A campanha pela
abolição acabou fortalecendo outro movimento – o das sufragistas, pelo direito
de voto das mulheres.
Iniciativa popular
Para pressionar o Parlamento britânico a votar o direito dos
negros, os abolicionistas entram com petições na Câmara dos Comuns –
equivalentes aos projetos de iniciativa popular à nossa Câmara dos Deputados.
Foram em média 170 por ano entre 1788 e 1800, chegando a 900 em 1810. No total,
até o fim da escravidão na Inglaterra, em 1833, foram mais de 5 mil petições,
cada uma com centenas e milhares de assinaturas. Na cidade de Manchester, 90%
dos homens adultos chegaram a participar dos abaixo-assinados.
Propaganda
Para mostrar a realidade do tráfico de escravos,
publicaram-se plantas de navios negreiros em panfletos abolicionistas. Na
época, acreditava-se que as viagens pelo Atlântico eram quase um passeio. A
população ficou horrorizada com a verdade e aderiu facilmente à causa. Outro
método de convencimento era expor publicamente as ferramentas usadas para
prender os negros – correntes e ferros no pescoço.
Aventuras na História n° 050
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