Antonio Carlos Robert Moraes
A primeira coisa que surpreende o visitante ao chegar a Maputo é a própria paisagem urbana da capital de Moçambique, com muitos prédios de mais de vinte andares e um plano urbanístico moderno, de avenidas largas e arborizadas. Com mais de um milhão de habitantes, a cidade está localizada no fundo de uma ampla baía, onde deságuam três estuários de porte, com um conjunto de ilhas fechando-lhe a entrada.
Maputo assenta-se entre as planícies litorâneas e as falésias, o que lhe confere uma marca da urbanização portuguesa, traduzida na existência de uma cidade alta e uma cidade baixa. Na primeira, alocam-se os estrangeiros, a classe dominante local, e o comércio mais sofisticado. Na segunda, o porto, o comércio popular e boa parte dos orgãos públicos. Margeando este conjunto, expande-se uma imensa favela que vai se fundindo e confundindo com as “machambas” (vilas rurais tradicionais) no entorno da cidade.
Maputo não foi a primeira capital da colônia portuguesa, a qual localizava-se mais ao norte, na ilha de Moçambique. Também não era a cidade comercial mais importante, função ocupada pela Beira, construída também mais ao norte, na foz do rio Zambeze, em face do antigo entreposto árabe de Sofala. Foi somente no final do século XIX que a administração transferiu-se para o atual sítio de Maputo, fundada com o nome de Lourenço Marques para abrigar a função de capital colonial.
A migração do centro de poder colonial mais para o sul teve um claro objetivo geopolítico: o de preservar o domínio lusitano da área frente ao avanço da colonização dos bôeres, os agricultores brancos sul-africanos. Isso fez de Maputo um caso interessante de localização da capital próxima à “fronteira viva” com a África do Sul, cuja fronteira fica a apenas cerca de cem quilômetros ao sul. Nesse período, começa o entrelaçamento das histórias de Moçambique e da África do Sul.
A capital moçambicana é, assim, uma cidade da belle époque, dotada de um plano urbanístico interessante, com amplas avenidas, jardins, várias praças e passeios públicos. Além dos imponentes casarões e edifícios que atestam a influência arquitetônica da França do Segundo Império.
No início do século XX a cidade conheceu grande crescimento demográfico, dinamizado por significativa imigração de monarquistas descontentes com a proclamação da república em Portugal.
Os monarquistas desejavam recriar, na África, uma forma de vida que a modernidade acabava de banir do solo europeu. O seu ideal era de uma vida aristocrática, amparada na exploração semi-escrava das populações locais. Tal ideal aproximava o colonizador lusitano de seus vizinhos africânders, a elite branca sul-africana que praticava um regime de opressão da população negra fundamentado em teorias racistas. É curioso observar que as avenidas aristocráticas de Maputo identificam-se, atualmente, por nomes como Karl Marx, Friedrich Engels ou Mao Tsé-tung.
Sobre a cidade original da belle époque construiu-se a atual Maputo, onde destacam-se os altos prédios edificados em dois surtos de verticalização. O primeiro, dos anos 60, expressa a derradeira tentativa portuguesa de investimento em solo moçambicano, como estratégia para evitar ou postergar a emancipação da colônia.
O segundo, após a independência, proclamada em 1975, reflete a cooperação econômica soviética e caracteriza-se pelos conjuntos habitacionais padronizados, pesados e monótonos.
A guerra civil, que atravessou toda a década de 80, causou sérios danos à infra-estrutura da cidade.
Nesse conflito, o governo pró-soviético da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) combateu as forças da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), a guerrilha de oposição financiada basicamente pelos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia do Sul (atual Zimbábue). As forças da Renamo, em momentos dramáticos da guerra, chegaram a combater às portas de Maputo.
Os Acordos de Lusaka (Zâmbia), assinados em 1991, encerraram a guerra civil e desencadearam o processo de reconstrução econômica do país. Esses acordos foram diretamente influenciados pelas transformações políticas ocorridas nos governos vizinhos: o desabamento dos regimes racistas na Rodésia do Sul e África do Sul.
Atualmente, a presença da África do Sul é bastante visível na recuperação dos equipamentos produtivos em Moçambique. Investimentos sul-africanos dominam o setor de serviços, com destaque para hotéis e shoppings. A economia moçambicana depende da África do Sul. A potência regional fornece 44% das importações e absorve 26% das exportações do país. Parte significativa das receitas externas de Moçambique provém da venda de eletricidade para o vizinho. O trajeto da linha de transmissão da hidroelétrica moçambicana de Cahora Bassa (no alto curso do rio Zambeze) reflete a dependência: a linha vai primeiro para Johanesburgo, a principal metrópole sul-africana, e só depois segue para Maputo.
Portugal é o passado; a África do Sul é o futuro. Moçambique está cercado por antigas colônias britânicas, que têm o inglês entre suas línguas oficiais. Há poucos anos, o país aderiu à Comunidade Britânica (Commonwealth) e, cada vez mais, o inglês se torna a segunda língua do país: o idioma dos negócios, utilizado pela elite política e econômica.
O casamento de Graça Machel, a viúva do lider da independência Samora Machel, com o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela desenrolou-se sob a forma de um romance, acompanhado pela mídia moçambicana como verdadeira novela. O matrimônio entrelaça, simbólica e realmente, Moçambique à potência vizinha e, assim, reforça o papel hegemônico da África do Sul no continente.
Boletim Mundo Ano 10 n° 5
Nenhum comentário:
Postar um comentário