terça-feira, 29 de março de 2011

O ESPECTRO DA GRANDE DEPRESSÃO RONDA A GLOBALIZAÇÃO

(...) a globalização não é inevitável ou irresistível. No fundo, é largamente uma criação americana, enraizada no período posterior à Segunda Guerra Mundial e baseada no poderio econômico dos Estados Unidos. Conseqüentemente,portanto, uma profunda e duradoura crise econômica nos Estados Unidos poderia ter um efeito tão devastador sobre a globalização quanto foi o da Grande Depressão.
(Stanley Hoffmann, “Clash of Globalizations”, Foreign Affairs, July/August 2002, p. 108)
Não se ouve mais falar dos teóricos da “Nova Economia”, que estavam na crista da onda há poucos anos. Segundo essa tese, a revolução tecno científica teria provocado uma mudança estrutural nos mecanismos da economia capitalista. A expansão acelerada da produtividade das empresas, sob o impulso das tecnologias da informação, estaria proporcionando um novo ritmo de crescimento global e, sobretudo, estaria suprimindo a etapa recessiva do ciclo econômico. Prosperidade permanente.
O fim das recessões. Leite e mel.
Os teóricos da “Nova Economia” embriagaram-se com a imagem do crescimento econômico americano acelerado da década de 90, amplificada pelas lentes de distorção da especulação financeira. Em Wall Street, os preços das ações inflavam-se em ritmo muito superior ao da expansão da produção e do consumo, alimentando as mais loucas ilusões. Os preços inflados dos ativos – principalmente das empresas de informática e telecomunicações – criavam riqueza financeira e movimentavam os mercados em escala global. Essa era a fonte dos investimentos financeiros que irrigavam os chamados “países emergentes”: os “Tigres Asiáticos”, a China, a Rússia, o México, o Brasil, a Argentina...
A bolha especulativa estourou há dois anos. Hoje, os mercados acionários estão cerca de 40% abaixo do recorde, atingido há poucos anos. A exceção é o Japão, cuja bolha especulativa estourou há mais de uma década e as ações desvalorizaram-se em mais de 70%. Apenas em 2002, o recuo do índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, atingiu quase 20%. A bolsa eletrônica Nasdaq, que concentra as ações de empresas de alta tecnologia, experimentou, no mesmo período, queda de mais de 30%. No mundo inteiro, “desapareceram”, como por encanto, centenas de bilhões de dólares.
Costuma-se dizer que a riqueza que “desapareceu” era ilusória. Isso não é muito rigoroso, pois a “ilusão” movimentava a economia “real”. O estouro da bolha deflagrou a recessão, provando o gigantesco equívoco dos teóricos da “Nova Economia”. O PIB americano, que se expandia velozmente, cresceu pouco mais que 1,5% no ultimo ano. Na Zona do Euro, estagnação. No Japão, contração. O termômetro da produção industrial revela uma imagem ainda pior: retração global . O comércio internacional reduziu-se em 4,1% em 2001 – um tombo brutal.
A desvalorização de ativos, expressa na queda vertiginosa dos preços das ações, representa o maior enxugamento de riqueza financeira global desde a Crise de 29. Até agora, contudo, o mundo não mergulhou em depressão, como aconteceu na década de 30. A diferença é que, atualmente, os bancos centrais detêm um conhecimento profundo da natureza do estouro de bolhas especulativas.
Manejando com maestria as cordinhas da taxa de juros e da oferta de moeda, o Fed (Federal Reserve Board, o banco central americano), o Banco Central Europeu e o Banco do Japão conduzem uma operação delicada de administração da crise.
A caneta dos bancos centrais ameniza a curva descendente dos preços das ações. A expectativa é que, com o prosseguimento da onda de inovação tecnológica, as economias reais voltem a crescer. O crescimento da produção e do consumo impulsionaria uma curva ascendente da produtividade das empresas.
Quando as duas curvas se encontrarem, em algum ponto do futuro, o preço dos ativos corresponderá ao seu valor verdadeiro.
Então, o veneno especulativo terá sido digerido e a recessão estará superada.
O cenário se complica quando se introduz a geopolítica. A política global de George Bush, estruturada em torno da doutrina da “guerra ao terror”, sabota a recuperação da economia mundial e ameaça libertar as forças que conduzem à depressão.
Bush anunciou, para algum momento no futuro próximo, uma ofensiva militar contra o Iraque de Saddam Hussein.
A ofensiva provocará um choque de preços do petróleo, cuja dimensão e cuja duração dependem de fatores imponderáveis, como o grau de sucesso da operação militar e as repercussões da crise palestina sobre todo o Oriente Médio. Enquanto o mundo espera a guerra anunciada, as empresas freiam os investimentos, temendo uma explosão prolongada dos custos da energia.
E não é só isso. A sombria visão de mundo da administração Bush prevê que a “guerra ao terror” se prolongará por vários anos, décadas talvez. Nesse quadro, emergiu a noção da “fortaleza América”, que serve como justificativa para o abandono do multi - lateralismo comercial. Esse é o terreno no qual viceja o protecionismo de Washington, expresso nos pacotes de defesa tarifária da siderurgia  e de novos subsídios agrícolas. Mas o protecionismo americano tende a implodir as embrionárias negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC), exatamente quando as trocas internacionais experimentam forte retração.
Há mais. A administração Bill Clinton (1993-2000) desdobrou-se para gerenciar as crises financeiras que pipocaram durante a etapa de crescimento do ciclo econômico. Após violentos episódios de fugas de capitais, o México (1994), os “Tigres Asiáticos” (1997), a Rússia (1998) e o Brasil (1999) foram resgatados do fundo do poço por operações financeiras coordenadas por Washington e executadas pelo FMI. A administração Bush reverteu essa orientação, traçando um cordão sanitário em torno da Argentina e assistindo, impassível, ao colapso de um país considerado “exemplar” pelo FMI. Os investidores tiraram as lições do abandono da Argentina, refugiando-se nos mercados seguros dos países desenvolvidos e detonando ondas de instabilidade no Brasil e em outros “países emergentes”.
A política global de Bush não é a única força que conspira contra a recuperação econômica mundial. A sucessão de escândalos financeiros e fraudes contábeis em grandes empresas americanas revela a fragilidade do aparato institucional de regulação do mercado no Estado mais poderoso do planeta. A conseqüência direta é a erosão da confiança dos investidores no mercado de ações dos Estados Unidos – o que já se reflete em Wall Street e ajuda a explicar a desvalorização do dólar em relação ao euro.
A Grande Depressão da década de 30 não foi uma decorrência direta do crash da Bolsa de Nova York. A depressão instalou-se em conseqüência das políticas conduzidas pelas potências econômicas: as tentativas de evitar a desvalorização cambial através da manutenção de juros elevados e o protecionismo comercial desenfreado, expresso na guerra de tarifas que destruiu o comércio internacional. Atualmente, o estouro da bolha especulativa não é suficiente para atirar o mundo no abismo da depressão. Como naquela época, o perigo verdadeiro está nas políticas das grandes potências.
Boletim Mundo Ano 10 n° 4

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