quinta-feira, 31 de março de 2011

REFORMA PREVIDENCIÁRIA SERVE AO CAPITAL FINANCEIRO

Serge Goulart
O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, declarou no seu discurso de posse que “a reforma da Previdência Pública tem como objetivo garantir nosso compromisso com o ajuste das contas públicas, não apenas no presente mas também no futuro”. Um dos principais argumentos usados é o envelhecimento da população e a relação entre contribuintes e aposentados.
Mas esse argumento não se sustenta. É utilizado apenas para “vender” para a opinião pública a privatização da Previdência, com os objetivos de pagar a dívida externa e permitir ao mercado financeiro apropriar-se de mais de 670 bilhões de reais até 2010.
Todos os privatizadores da previdência usam um gráfico no qual comparam a pirâmide etária típica dos países subdesenvolvidos (base larga, topo estreito) com a dos países desenvolvidos (mais ou menos em forma de barril), para dizer que “antes era assim” e “agora está ficando assim”. Ou seja: logo haveria apenas um jovem para cada idoso.
Mas, segundo dados do IBGE para o ano 2000, o Brasil tem uma taxa de crescimento anual da população na ordem de 1,64%. E a população com 65 anos ou mais representa apenas 5,85% do total. Em todos os países desenvolvidos a taxa de crescimento populacional é muito menor, chegando a ser negativa na Itália e Espanha. E os idosos, em países desenvolvidos, são cerca de 15% da população . Ou seja, estamos muito longe do falso barril dos privatizadores.
Até o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, defensor da reforma da Previdência, afirma: “Muitos países têm problemas com a previdência, quase todos em razão do envelhecimento da população.
Não é bem o nosso caso, e não o será ainda por um bom tempo. Pouco mais de 8% de nossa população é de idosos, enquanto essa proporção é superior a 20% no mundo desenvolvido. Segundo o IBGE, vamos chegar a esse patamar, mantidas as atuais tendências demográficas, apenas em 2050. Portanto,  nosso problema previdenciário não tem propriamente a ver com demografia, mas com sociologia ou, mais precisamente, com privilégio.”
Como ficam os argumentos demográficos dos privatizadores diante dos dados oficiais do INSS, que declara que seus segurados se aposentam em média com 49,6 anos e morrem em média com 60,3 anos (homens) e 56,9 anos (mulheres)? Além disso, após 2050, e nos próximos séculos, espera-se que a produtividade do trabalho e a riqueza socialmente produzida sejam capazes de sustentar os idosos da sociedade. E não jogá-los fora como laranja chupada, crueldade nunca vista antes nem mesmo em sociedades bárbaras. No passado, os idosos, vistos como fonte de sabedoria, sempre tiveram o respeito das sociedades. Hoje, numa época em que a riqueza global não cessa de aumentar, como admitir abandonar os idosos à própria sorte?
Outro argumento utilizado para apavorar a opinião pública é a relação entre ativos contribuintes e inativos.
Num sistema previdenciário como o nosso – baseado no regime histórico de repartição simples e solidariedade entre gerações – a relação necessária é de cerca  de 3,5 contribuintes para um aposentado. O governo alega que, no Brasil, a proporção é de dois ativos contribuintes para cada aposentado. Ora, no Brasil a proporção entre ativos e inativos é de cerca de 4,7 para um – a mesma dos Estados Unidos. Acontece que, no Brasil, só dois ativos contribuem para a previdência, porque o governo empurrou para a informalidade milhões de trabalhadores através de leis de precarização e  flexibilização do trabalho. Basta dizer que são cerca de 45 milhões de trabalhadores que sofrem com a informalidade das relações de trabalho, vivendo quase sem nenhuma proteção social.
No serviço público, o problema é ainda mais gritante. Em 1990, o Brasil tinha 146 milhões de habitantes e 750 mil servidores federais (ou seja, um servidor federal para cada 195 habitantes). Hoje o Brasil tem 175 milhões de habitantes e apenas 457.756 servidores (um servidor para 382 habitantes). Para conservar o padrão de serviço de 1990, deveria ter, pelo menos, 900 mil servidores federais. Porém, sem uma mudança de rumos, os servidores serão reduzidos a 38.783 no ano 2030, conforme se deduz de estudos do Ministério da Previdência (Probus, Avaliação dos Compromissos Previdenciais da União, abril de 2001).
A grande questão, do ponto de vista do capital financeiro, é quebrar o regime previdenciário de repartição simples e solidariedade entre gerações, pelo qual as contribuições previdenciárias arrecadadas são imediatamente revertidas para os aposentados. A quebra desse regime implicaria a eliminação da aposentadoria integral dos servidores, através do estabelecimento de um teto máximo para os benefícios previdenciários.
No lugar do sistema atual, seria criado um regime único para servidores e trabalhadores do setor privado, no qual a previdência complementar funcionaria como caminho obrigatório para a tentativa de obtenção de aposentadorias superiores ao teto oficial. Depois, através do arrocho e diminuição do valor do teto, a massa de servidores seria atirada pelas bordas, para que caia nos braços da previdência privada por capitalização.
O significado social de tudo isso é evidente. Além disso, o plano é uma ruptura dos contratos feitos com o povo e com os servidores, a quem foi garantido que, trabalhando 35 anos, se aposentariam com salário integral.
BRASIL AINDA É “PAÍS JOVEM”
Nos países desenvolvidos, a taxa de crescimento vegetativo experimentou redução acentuada, desde as primeiras décadas do século XX. O reflexo das baixas taxas de natalidade e elevadas expectativas de vida aparece na estrutura etária: os idosos – no critério demográfico clássico, os que têm 60 anos ou mais – representam cerca de um quinto da população. Na Europa, o fenômeno do envelhecimento da população é ainda mais acentuado que nos Estados Unidos pois a natalidade é menor e os fluxos imigratórios são menos intensos.
Do ponto de vista da discussão previdenciária, mais relevante que usar o corte etário dos 60 anos é usar o dos 65 anos. Esse critério revela com nitidez que, apesar da recente queda acentuada das taxas de natalidade, o Brasil ainda é um “país jovem”. Mesmo se comparado à vizinha Argentina.
Boletim Mundo Ano 11 n° 1

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