Regina Scharf
Imagine que você esperou dez anos para que saísse do forno um prato capaz de matar a sua fome.
Mas, na hora H, a comida sai queimada e não consegue alimentar ninguém. É o gosto que ficou da Rio + 10, a conferência da ONU que reuniu cerca de 30 mil pessoas em Johanesburgo (África do Sul), inclusive algumas dezenas de presidentes, reis e primeiros-ministros.
Durante duas semanas, eles tentaram tirar do papel as boas resoluções da Cúpula da Terra, a gigantesca reunião sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável que as Nações Unidas promoveram no Rio em 1992, com a presença de 108 chefes de Estado e de governo. Da Eco-92 saíram documentos fundamentais, como as convenções da Biodiversidade e de Mudanças Climáticas e a Agenda 21 – uma espécie de guia para a construção de um mundo mais viável. A Rio + 10 deveria adotar as medidas práticas para implementar aquelas decisões.
Apesar dessa ambição, a conferência de Johanesburgo, que terminou no último 4 de setembro, ficou marcada por um esforço de retrocesso, liderado pelos Estados Unidos, em relação ao que foi decidido em 1992. Tanto que os ambientalistas comemoraram quando, a duras penas, conseguiram a garantia de que, na declaração final, seria mantido o princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas ou seja, os países industrializados, que destroem a natureza há mais tempo, têm que pagar mais pela sua recuperação. Um conceito que já tinha sido sacramentado na Eco-92.
A pouca energia que sobrou foi gasta num jogo de empurra, em que os países pobres tentavam valorizar o drama da pobreza 1,3 bilhão de pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia enquanto os países ricos, sobretudo os Estados Unidos, negavam o impacto de seus hábitos de consumo desmedido sobre os recursos naturais. Uma conversa que não cola: basta lembrar que, se todos os habitantes da Terra consumissem como um americano médio, precisaríamos de mais 2,6 planetas iguais ao nosso para sobreviver.
O maior símbolo da resistência de Washington a encarar as questões ambientais urgentes foi a derrota da proposta de se ampliar a participação das fontes renováveis na matriz energética mundial. Duas propostas similares estavam na mesa: a brasileira, concebida por José Goldenberg, secretário do Meio Ambiente de São Paulo, que propõe que as fontes renováveis passem de 5% a 10% de toda a geração de energia até 2010; e a européia, que falava num aumento para 15% no mesmo prazo. Uma das principais diferenças entre as duas era que a Europa aceitava a inclusão das grandes hidrelétricas no cálculo das fontes renováveis, enquanto o Brasil limitava a lista às energias eólica, solar, geotérmica, biomassa (como a queima do bagaço de cana) e as pequenas hidrelétricas.
As duas propostas dissolveram-se de encontro à muralha dos Estados Unidos e dos grandes exportadores de petróleo. No fim, sobrou uma mera recomendação em favor da expansão mundial das energias de baixo impacto.
No documento final, foram feitas outras recomendações semelhantes – vagas, sem metas ou um calendário de implantação. Dentre elas, a proposta de “reduzir consideravelmente” o ritmo de perda da biodiversidade até 2010 ou de recuperar os estoques pesqueiros, sem dizer o que exatamente significa isto e de onde virá o dinheiro para implementação.
O documento também “determina” que os países ricos elevem suas doações para que os países pobres possam se desenvolver de forma sustentável a 0,7% dos seus produtos internos brutos. Detalhe: este mesmo compromisso foi assumido em 1992. Mas, desde então, a ajuda não apenas não cresceu como foi reduzida, em média, de 0,33% para 0,22% dos PIBs dos países industrializados.
Os resultados refletem o baixo interesse pela conferência – que teve menos da metade dos participantes da Eco-92. Faltaram jogadores fundamentais, como líderes políticos de países chave – entre eles, o espanhol José Maria Aznar, o italiano Silvio Berlusconi, o argentino Eduardo Duhalde e, principalmente, o americano George W. Bush.
As organizações não-governamentais (ONGs) até quiseram participar das discussões, mas passaram por maus bocados. Para poderem entrar na área que lhes foi reservada – a 45 minutos de distância da conferência oficial cada militante dos movimentos ambientalistas ti nha de pagar US$ 150. Fora de lá, todas as manifestações tinham de obter autorização especial do governo.
Até a cobertura jornalística foi mais fraca foram pouco mais de 3 mil repórteres, contra 9 mil em 1992.
Para muitos participantes do encontro, o jeito é mudar a forma como essas discussões são conduzidas ou reformar a ONU. Ou, então, esperar mais dez anos, para ver o que acontece.
Boletim Mundo Ano 10 n° 6
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