quinta-feira, 31 de março de 2011

REFORMA DA PREVIDÊNCIA INAUGURA MUDANÇAS DO GOVERNO LULA

A eleição de Luís Inácio Lula da Silva constitui marco histórico. Pela primeira vez, o Brasil tem um governo de esquerda, apoiado num partido – o PT – que surgiu das lutas operárias. Em tese, todo o modelo econômico e social brasileiro pode sofrer mudanças estruturais. Sob o selo “Brasil em debate”,  vai discutir a postura do governo Lula diante das questões nacionais. Começamos com a reforma previdenciária, anunciada pelo governo como o primeiro grande projeto a ser enviado ao Congresso.
Solicitamos uma matéria ou entrevista ao ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, e uma crítica à proposta do governo. A crítica aparece à pág. 5. O Ministério da Previdência não produziu matéria nem concedeu entrevista. Assim, nesta página, sintetizamos a proposta governamental.
Ao assumir o governo, o presidente Lula recebeu, junto com a faixa verde-amarela, um polpudo abacaxi: a crise da previdência social. O déficit da previdência bateu em R$ 72 bilhões no ano passado; três quartos do total referem-se ao prejuízo com pensões de funcionários públicos (incluindo militares, juízes e aposentados do Legislativo). Em 1995, o déficit total era de R$ 19,6 bilhões.
A expectativa é que o rombo fique em R$ 80 bilhões este ano; só na última década o buraco somou R$ 350 bilhões, pouco menos da metade do PIB brasileiro.
Mantido o ritmo atual, em dez anos o pagamento de pensões inviabilizaria qualquer governo.
Parte do problema não é exclusivo do Brasil. A melhoria da qualidade de vida vem garantindo uma sobrevida maior às pessoas – em conseqüência, cresce o tempo das pensões a serem pagas. A globalização e o aumento do desemprego estrutural também reduziram a fatia de contribuintes na ativa. Nos anos 70, para cada brasileiro aposentado, havia sete trabalhando. A proporção hoje é de menos de dois trabalhadores para um.
E a Constituição de 1988, ao estender o pagamento da aposentadoria a todo homem com mais de 65 anos e a toda mulher que ultrapassa os 60 anos, incorporou à previdência mais de cinco milhões de trabalhadores rurais que nunca haviam contribuído para o sistema.
Contudo, a história do rombo na previdência é mais complicada e envolve inúmeros casos de fraude e corrupção, além do uso indevido de fundos da previdência (por exemplo, na construção de Brasília ou da rodovia Transamazônica). De acordo com dados oficiais, a previdência não sofreria de nenhum déficit caso impostos criados para essa finalidade – como, em especial, o Cofins – não fossem desviados em direção a outros gastos . O que mais choca é o desequilíbrio na atribuição de benefícios. A aposentadoria média dos trabalhadores da iniciativa privada é de apenas R$ 340,00  (30% dos aposentados brasileiros continuam trabalhando...), contra R$ 2.200,00 dos funcionários públicos, R$ 7.000,00 do Legislativo e R$ 7.300,00 do Judiciário.
Trabalhadores rurais aposentados recebem, em média, apenas R$ 200,00 ao mês.
O eixo da proposta de reforma previdenciária do governo Lula é unificar o teto de pagamento de benefícios ao redor do máximo pago hoje pelo INSS aos aposentados da iniciativa privada (R$ 1.562,00) e, aos poucos, ir reduzindo o déficit. Interessados em receber benefícios maiores contribuiriam para fundos de pensão, à semelhança do Petros (dos funcionários da Petrobrás), ou ainda para fundos privados, como os PGBLs e VGBLs.
De quebra, os fundos, capitalizados pelas contribuições de empresários e empregados, se transformariam em grandes investidores, alavancando o desenvolvimento da economia e reduzindo a necessidade de capitais externos.
Com isso, o país estaria também menos sujeito às mudanças nos ventos das finanças internacionais.
A proposta governamental provocou uma onda de críticas vindas de associações e sindicatos de servidores públicos, parlamentares, comandantes  militares e juízes, que seriam os mais prejudicados. Eles alegam ter direito adquirido. Governadores e prefeitos também torceram o nariz. Isso porque o teto unificado e a incorporação dos servidores públicos ao INSS representariam o fim de uma receita importante: os 11% do salário de cada funcionário que são descontados para bancar a previdência de estados e municípios. A União, os estados e municípios também teriam de injetar dinheiro nos novos fundos de pensão.
Depois do primeiro impacto, o governo ensaiou um recuo parcial. Decidiu aprovar uma mini-reforma previdenciária proposta por FHC, que já tramitava no Congresso, e complementá-la mais tarde com um projeto a ser aprovado no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Assim, a unificação do teto de pagamento de benefícios só deve ocorrer para quem está entrando agora no sistema; a reforma estaria completa, então, apenas no ano 2038. Enquanto isso, haveria  uma regra de transição, chamada de fator previdenciário. O prazo para que o servidor público se aposente com salário integral – que era de dez anos de funcionalismo e de cinco anos no cargo – seria estendido, por exemplo, a 20 e dez anos, respectivamente.
Isso ampliaria o prazo de contribuição, dando a estados e municípios as condições de se adaptar gradualmente.
MUDANÇA GLOBAL
Cerca de 150 países contam com sistemas de previdência social. O primeiro modelo “moderno” de pagamento de aposentadorias em nível nacional foi criado pelo chanceler alemão Otto Von Bismarck, na segunda metade do século XIX. Mas o grande salto ocorreu após a Primeira Guerra (1914-1918), quando diversos governos europeus, temendo o socialismo – vitorioso na Rússia, em 1917 – implantaram seus sistemas previdenciários.
Privatização e redução de benefícios vêm marcando o rumo da previdência em todo o mundo, nas últimas duas décadas. Hoje, os modelos mais generosos são os da Alemanha, Holanda e Suécia, onde a aposentadoria é de 70% a 75% sobre o último salário. Mesmo nesses países, o envelhecimento da população, a redução da capacidade de investimento do Estado e o avanço do desemprego vêm forçando mudanças. O rombo mundial das previdências públicas anda pela casa dos US$ 30 trilhões.
O governo social-democrata alemão, por exemplo, estuda formas de reduzir o salário-desemprego, tão atraente que faz com que muita gente desista de procurar trabalho. As aposentadorias médias do funcionalismo público na Europa oscilam de 40% sobre o último salário (Irlanda), a 100% (Espanha).
Nos anos 70, o governo ultra-liberal de Margaret Thatcher, na Grã-Bretanha, privatizou a previdência, atualmente a cargo de fundos de investimento. Thatcher e Reagan também reduziram os entraves à ação desses fundos, que hoje estão entre os maiores investidores de curto prazo em todo o mundo.
A dobradinha Thatcher/Reagan tomou como base a privatização empreendida, na marra, no Chile de Augusto Pinochet. Os fundos de pensão chilenos tornaram-se grandes investidores na privatização de estatais em outros países latino-americanos. Mas a credibilidade do sistema foi abalada pela quebra de uma importante seguradora, nos anos 90. Na América Latina, também privatizaram seus sistemas previdenciários – em diferentes medidas – Argentina, México, Colômbia e Peru.
Boletim Mundo Ano 11 n° 1

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