Descoberta de reservas de petróleo incorpora de vez os mares às economias nacionais e retarda a pesquisa de fontes renováveis de energia.
O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão” foi, segundo a lenda, uma das profecias do beato Antônio Conselheiro, líder dos rebeldes de Canudos, no sertão nordestino do fim do século XIX. A profecia parece ter sido cumprida, pelo menos quando o assunto é petróleo. Isso porque a descoberta de imensas reservas do combustível nas águas territoriais de dezenas de países incorporou de vez os mares às economias nacionais e adiou a busca por fontes renováveis de energia.
Na Austrália, por exemplo, o entorno marítimo equivale a uma vez e meia o território nacional. E vem dos mares 90% do petróleo australiano. No Golfo do México, ao largo do Texas, uma teia densa de oleodutos e gasodutos conectam lâminas d’água de mais de mil metros de profundidade ao continente.
O óleo descoberto no Mar do Norte foi fundamental para que a Grã-Bretanha estancasse a decadência econômica, nos anos 70 e 80. E as reservas marítimas principalmente da Bacia de Campos (RJ) – estão colocando o Brasil no caminho da auto suficiência.
A exploração de petróleo no mar tem centenas de anos (acredite se quiser!). Sabe-se que barqueiros chineses, a bordo de jangadas de bambu, vasculhavam águas superficiais há séculos, em busca de combustível para seus candeeiros. Mas foi nos anos 60, com o avanço da indústria (e, com ela, da demanda por combustíveis), que começou a exploração comercial do petróleo das plataformas continentais. A explosão desse negócio aconteceria a partir de meados dos anos 70, quando o choque dos preços do petróleo, decidido pela OPEP, elevou muito a conta dos combustíveis. E tornou viável, economicamente, a prospecção e exploração de reservas situadas nas plataformas continentais.
Daí em diante, o petróleo e o gás que vêm dos mares mudaram a vida de diversos países. Grã-Bretanha, Noruega, Angola e Nigéria, que eram apenas consumidores, tornaram-se produtores importantes. O caso do Brasil foi um dos mais destacados. O país, que importava quase todo o seu petróleo nos anos 70, hoje exibe reservas – principalmente marítimas de 9,3 bilhões de barris. Em 1987, a produção brasileira em águas profundas representava apenas 1,7% do total. Em 1999, 50% do petróleo brasileiro vinha de águas ultra profundas; 25%, de águas profundas; 11%, de águas superficiais e apenas 14% da terra. Analistas afirmam que, em 2005, o Brasil estará produzindo 1,85 milhão de barris de óleo por dia e que 75% desse volume virá de águas ultra profundas.
A importância das operações offshore, na plataforma continental, é tão grande que a Petrobrás deu-se ao luxo de repassar à iniciativa privada a extração de óleo em poços maduros (antigos) no Nordeste. Vale muito mais, para a estatal, investir no mar azul.
É a pujança das atividades petrolíferas que possibilitou à indústria do Rio de Janeiro registrar crescimento nos últimos meses, em contraste com a estagnação do resto do país. O petróleo também foi responsável pela reativação do setor de construção naval, que vivia às moscas desde a década de 70 e agora não consegue dar contas das encomendas da Petrobrás. Só que os estaleiros passaram a produzir plataformas e não navios.
Desenvolveu-se uma ampla estrutura econômica em torno da exploração do petróleo em Campos. As duas maiores operadoras brasileiras de helicópteros Líder e BHS –, por exemplo, têm como principal atividade o transporte de pessoal para as plataformas de exploração mar adentro. Recentemente, nasceu uma empresa aérea, a Ocean Air, destinada ao transporte de tripulantes e executivos do petróleo. Uma antiga fábrica gaúcha de cordas a Cordoaria São Leopoldo vem crescendo rapidamente com a produção de amarras para barcos e plataformas. E empresas de telecomunicação encontraram um novo nicho na instalação de cabos de fibra ótica ligando as plataformas às suas bases em terra.
Sinal dos tempos, a Petrobrás decidiu recentemente transformar o super petroleiro Felipe Camarão, um gigante de 120 metros de comprimento, comprado para trazer petróleo do mundo árabe, em um FPSO.
Quer dizer, um navio adaptado em plataforma de exploração.
Essas plataformas são, aliás, um capítulo à parte. As maiores abrigam até 500 funcionários, em alojamentos caprichados, com direito até a quadra de futebol e telefone público. Eles ficam 15 dias no mar, com outros 15 dias de folga, em terra. O avanço do Brasil no cenário petrolífero ficou ainda mais claro com a escolha do país para alojar o 11º Congresso Mundial do Petróleo, em setembro, no Rio de Janeiro. Participaram empresas de 75 países e cerca de sete mil executivos, que lotaram os hotéis e restaurantes da cidade.
Mas o reinado do óleo offshore também vem gerando inúmeras novas polêmicas. Quem pode esquecer as imagens dos derrames de petróleo no mar e do naufrágio da plataforma P-36 da Petrobrás, que matou onze operários na Bacia de Campos? No ano passado, diante da crise energética, o governo federal aceitou reduzir as exigências ambientais para a instalação de pequenas usinas termoelétricas, movidas a petróleo e a gás. E os bons resultados da Petrobrás em águas profundas e ultra profundas certamente foram decisivos para que o governo deixasse de lado boa parte das pesquisas e incentivos ligados a combustíveis renováveis, como o álcool de cana.
Sem esquecer que o petróleo apareceu como tema quente da campanha eleitoral deste ano. A encomenda de uma nova plataforma da Petrobrás a um estaleiro que a construirá parcialmente em Cingapura, levou candidatos da oposição a brandirem a bandeira do nacionalismo. O episódio demonstrou que o “ouro negro” continuará por muito tempo a funcionar como combustível de polêmicas e disputas. Venha ele da terra ou do mar.
Meio século de Petrobrás
O petróleo sempre foi um tema polêmico no Brasil. Até o início dos anos 50, a maior parte dos governantes e empresários jurava que ele não existia no país. E, caso existisse, extrair seria mais caro do que importar. A criação da Petrobrás (1953) e o início da busca pelo combustível no país só foram possíveis por conta da campanha “O petróleo é nosso”, conduzida em aliança pelo governo nacionalista de Getúlio Vargas (1950- 54) e pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A exploração começou tímida, principalmente no Nordeste, tocada na forma de monopólio estatal. Mas ganhou corpo após o primeiro “choque do petróleo”, em 1973, que multiplicou por quatro o preço do barril, dificultando a importação. O regime militar brasileiro decidiu investir pesado na pesquisa de petróleo e, em 1977, era descoberta a primeira reserva na Bacia de Campos.
Hoje, o Brasil produz 1,6 milhão de barris de petróleo por dia, para um consumo de 2,3 milhões de barris. Espera-se que a auto suficiência venha ao fim da década. A Petrobrás também opera no exterior, com destaque para Angola, Bolívia (com o gasoduto ligando o país ao Brasil), Colômbia e Casaquistão. Nos últimos meses, a estatal aproveitou a crise econômica argentina e adquiriu a Pérez Companc, maior grupo petrolífero daquele país.
Não existe mais monopólio estatal na prospecção e exploração de petróleo no Brasil. Dezenas de empresas estrangeiras adquiriram lotes de exploração, em terra e mar, comprometendo-se a vender toda a produção para a Petrobrás. A estatal brasileira é uma das vinte maiores empresas de petróleo do mundo e a líder em operação em águas profundas. Também bateu o recorde de profundidade: um de seus poços, na Bacia de Campos, extrai óleo sob uma lâmina d’água de 1.709 metros. A Petrobrás atua, ainda, na refinação, distribuição e transporte internacional de petróleo e gás.
Boletim Mundo Ano 10 n° 6
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