quinta-feira, 31 de março de 2011

GEOGRAFIAS DO PETRÓLEO

Regina Araújo
No que se refere à matriz energética, o século XX ainda não acabou. O petróleo, que revolucionou a economia mundial no século passado, continua sendo a principal fonte de energia do planeta: junto com o gás natural, responde por quase 60% do consumo energético global.
A história do petróleo está estreitamente conectada à da marcha dos Estados Unidos rumo à condição de maior potência econômica mundial.
Até 1920, os Estados Unidos concentravam quase toda a produção e o consumo de petróleo . Na década de 50, pela primeira vez, a produção interna tornou-se insuficiente para abastecer o consumo americano. No início da década de 70 a produção americana entrou em declínio e os Estados Unidos tornaram-se o maior importador mundial, passando a encarar o Golfo Pérsico como área estratégica associada à segurança nacional.
O longo reinado do petróleo imprimiu suas marcas em diferentes escalas do espaço geográfico.
Afinal, a tecnologia já centenária do motor a combustão interna, impulsionado pela explosão de óleo diesel ou gasolina dentro de um cilindro, movimenta não apenas caminhões e automóveis mas também barcos e aeronaves e, portanto, continua a desempenhar a função crucial na logística de transportes das sociedades modernas.
Na escala nacional, o caso brasileiro é extremo, mas ilustrativo: a política de transportes, fundamental para a integração do espaço econômico nacional, foi consolidada na década de 50, exatamente no contexto da criação da Petrobrás e do crescimento da indústria automobilística. Como resultado dessa opção, atualmente mais de 60% de toda a carga que circula pelo país é transportada por rodovias. No Brasil, a geografia do petróleo conectou as diferentes regiões e re-configurou as relações entre elas. Mas acabou por se tornar um obstáculo para a inserção competitiva das mercadorias brasileiras no mercado mundial, dado o custo nelas incorporados pelos longos trajetos dos caminhões de carga.
Na escala das cidades, a geografia do petróleo é tributária dos automóveis, que revolucionaram as formas de organização do espaço urbano.
Nos países europeus, por exemplo, o traçado urbanístico de centenas de cidades medievais teve que ser drasticamente alterado para abrir espaço para os automóveis. Em diversas regiões do planeta  inclusive no Brasil  a expansão horizontal das cidades e o surgimento de zonas residenciais afastadas das regiões centrais foram condicionadas pela disseminação do uso de automóveis particulares.
Nos Estados Unidos, as vias expressas que ligam os subúrbios residenciais de alta renda com o centro das metrópoles, em muitos casos transformados em zonas degradadas e ocupadas pelos imigrantes, materializam um padrão urbano criado em função do automóvel. E a lógica perversa dos automóveis continua assombrando os habitantes das grandes cidades: mesmo quando dotadas de infra-estruturas de circulação modernas e sofisticadas, as metrópoles estão cada vez mais sujeitas a infernais congestionamentos de tráfego e à poluição do ar causada pelos gases de escapamento.
Entretanto, além de sua inegável importância como fonte primária de combustível para os transportes e para a geração de calor em fornos e caldeiras industriais, o petróleo também serve de matéria-prima para um dos mais importantes setores industriais da atualidade: a indústria petroquímica.
Consolidado apenas na década de 30, com o desenvolvimento da tecnologia para a fabricação das primeiras resinas plásticas, o setor petroquímico se transformou em fonte de matérias-primas para a maior parte dos artigos de consumo comercializados no mundo. Porém, trata-se de um setor que exige grandes investimentos tecnológicos e, por isso mesmo, é fortemente dominado pelas grandes potências econômicas. Juntos, os Estados Unidos, o Japão e Alemanha respondem por quase metade da produção petroquímica básica mundial.
Nas indústrias petroquímicas, as moléculas de hidrocarbonetos presentes na nafta  um derivado do petróleo  ou do gás natural são quebradas e recombinadas de forma a se transformar em diversos produtos, utilizados por vários setores industriais. O petróleo está presente em embalagens,  pneus, tintas, tubulações, brinquedos, sapatos, tecidos sintéticos, insumos agrícolas, remédios e em todos os produtos de plástico. Os mais diferentes materiais descartáveis  de copos de refrigerantes até luvas cirúrgicas e bolsas para armazenamento de sangue  também são produzidos a partir da transformação química da nafta.
A geografia do petróleo comandada pelas  atividade petroquímica se materializa por meio de três grandes gerações (ou estágios) da cadeia produtiva do setor.
A primeira geração é constituída pelas indústrias que fornecem os produtos petroquímicos básicos, tais com
o eteno e o propeno. Nas indústrias da segunda geração, esses produtos básicos são transformados em produtos petroquímicos finais, tais como o polietileno, o polovinilcloreto (mais conhecido como PVC) e os poliésteres, utilizados pela indústria de confecções. Apenas nas indústrias de terceira geração é que são produzidas as mercadorias prontas para o consumo.
As duas primeiras gerações, isso é, a produção petroquímica básica e a final, tendem a se concentrar no espaço: na maior parte dos casos, junto às refinarias que fornecem a nafta ou o gás natural.
A existência de grandes pólos petroquímicos  expressa essa tendência concentradora. Nos pólos, as empresas compartilham serviços básicos de infra-estrutura e abastecimento, além de se interligarem fisicamente para facilitar as trocas de matérias primas e produtos. Já o terceiro estágio, no qual a indústria de plástico exerce incontestável liderança, geralmente é atraída pelos grandes mercados consumidores.
O Brasil conta com três importantes pólos petroquímicos, todos nucleados por refinarias da Petrobrás: o pólo paulista, na região do ABC; o pólo do Rio Grande do Sul, em Triunfo, e o pólo da Bahia, em Camaçari, que é responsável por mais de 15% do PIB estadual. Eles abrigam a maior parte das empresas de primeira e de segunda geração instaladas no país que, juntas, respondem por cerca de 3% da produção mundial de insumos petroquímicos básicos e finais.
O petróleo foi a maior e mais importante novidade tecnológica do século XX. Além da revolução que operou nos sistemas de geração de energia e de transportes, o óleo forneceu as matérias-primas que alimentam o padrão e os hábitos de consumo característico das sociedades modernas e influenciou fortemente a geografia de países, centros urbanos e distritos industriais. Ao que tudo indica, se depender dele, o século XX ainda vai durar por, pelo menos, mais alguns decênios.
Boletim Mundo Ano 11 n° 1

Nenhum comentário:

Postar um comentário