O uso bélico das aeronaves foi fundamental para o desenvolvimento da aviação. A tecnologia criada para fins militares tornou os aviões de passageiros também mais seguros e eficientes
Por Roberto Navarro
Enquanto o brasileiro Alberto Santos Dumont opunha-se ao emprego do aeroplano como máquina de guerra, nos Estados Unidos, os irmãos Wilbur e Orville Wright consideravam a atividade militar como uma das principais aplicações da nova invenção. “Em fevereiro de 1908, eles conquistaram o primeiro contrato assinado pelo governo americano para desenvolver um avião militar. As especificações previam que o aeroplano deveria ser capaz de transportar duas pessoas e atingir velocidade de pelo menos 64 quilômetros por hora, percorrendo cerca de 200 quilômetros. Em junho de 1909, os irmãos Wright entregaram a primeira unidade”, conta o historiador americano John Guilmartin Jr., da Universidade do Estado de Ohio. A partir de 1910, começaram as experiências para equipar os aviões com armamento, quando o alemão August Euler obteve a primeira patente para a instalação de uma metralhadora num biplano. As décadas seguintes provaram que os irmãos Wright estavam certos: a utilização do aeroplano para fins militares seria fator essencial para o desenvolvimento da aviação.
A primeira vez que um avião foi usado numa guerra foi em 23 de outubro de 1911, durante a Guerra Ítalo-Turca. Naquele dia, um piloto italiano fez um vôo de reconhecimento com uma hora de duração sobre as posições inimigas perto de Trípoli, na Líbia. Nove dias depois, ocorreu o primeiro bombardeio feito por aeroplano em toda a história, quando outro piloto italiano lançou quatro granadas sobre posições turcas. Quando começou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, os aviões ainda eram empregados quase exclusivamente em atividades de reconhecimento. Durante o conflito, novos desenhos surgiram e foram aperfeiçoados para adaptar-se a novas missões. No início de 1915, a Grã-Bretanha colocou em serviço o Vickers F.B.5 Gunbus, o primeiro avião projetado especificamente para transportar armamento (uma metralhadora). Também em 1915 voou o britânico Handley Page 0/100, primeiro aeroplano desenhado para atuar como bombardeiro pesado. No mesmo ano, os franceses empregavam o Voisin L para levar cerca de 75 quilos de bombas, lançadas a mão pelo co-piloto.
Em 1919, apenas alguns meses após o fim da Primeira Guerra, começaram as tentativas de organizar serviços regulares de transporte aéreo, embora a primeira linha a cobrar tarifa tenha realizado viagens na Flórida (EUA) já em 1914. Mas foi somente em 1919 que tiveram início os vôos regulares Londres-Paris, aproveitando a existência de operações militares de transporte aéreo criadas pelos britânicos durante a guerra. As décadas de 1920 e 1930 viram surgir um grande número de linhas aéreas operadas por companhias civis, mas suas atividades seriam interrompidas pela Segunda Guerra (1939-1945).
Fator decisivo
Enquanto isso, novos desenvolvimentos revolucionavam a aviação militar nas duas décadas entre o fim da Primeira Guerra e o início da Segunda. Em 1918, os aviões eram geralmente biplanos cobertos de tela e mal alcançavam 200 quilômetros por hora. Em 1939, as principais potências do mundo tinham aviões com asas e fuselagem de metal, trem de pouso retrátil (que substituiu a estrutura fixa) e capazes de ultrapassar 500 quilômetros por hora. Durante a Segunda Guerra, a superioridade aérea tornou-se um fator decisivo nas principais campanhas, com o surgimento de novos caças de alto desempenho. O Japão tinha o Mitsubishi A6M Zero, os alemães contavam com o Messerschmitt Me-109 e com o Focke Wulf FW90, a Grã-Bretanha tinha o Supermarine Spitfire e os Estados Unidos utilizavam o Mustang P-51.
No início da Segunda Guerra, os alemães empregaram seus Stuka como bombardeiros de mergulho, com resultados devastadores na Polônia e na França. Mas foi a Força Aérea americana que levou às últimas conseqüências o conceito do bombardeiro pesado, com seus Liberator B-24 e Fortaleza Voadora B-17, capazes de lançar quase duas toneladas de bombas. Em 1944, a idéia foi levada um estágio adiante com a Superfortaleza B-29 e sua carga de 6 toneladas de bombas e longo alcance (mais de 3 mil quilômetros) – foi o avião que lançou a bomba atômica em Hiroshima.
A Segunda Guerra viu surgir também os primeiros aviões a jato. Embora já existissem pesquisas desde o início da década de 1930, foi só em 27 de julho de 1944 que entrou em serviço o britânico Gloster Meteor e, cerca de dois meses depois, o alemão Messerschmitt Me-262. Aviões a jato surgiram tarde demais para ter influência decisiva na Segunda Guerra, mas revolucionaram a aviação.
Sobras de guerra
Ao fim da Guerra, espalhava-se pelo mundo inteiro uma rede de pistas de pouso pavimentadas, sistemas de auxílio à navegação e radares. Também havia grande número de aviões disponíveis, desmobilizados em vários países. Vendidos a preços baixos como sobras de guerra, eles fizeram florescer lucrativos serviços de transporte de carga e passageiros na segunda metade da década de 1940. Além disso, projetos militares foram convertidos para o mercado civil, ampliando a oferta de modelos. Nos Estados Unidos, a Boeing adaptou seus bombardeiros B-29 e B-50 para desenvolver um avião de passageiros, o Stratocruiser, que voava sem escalas de Nova York a Londres.
Menos devastadas pela guerra que suas concorrentes européias e em melhor condição financeira, as companhias aéreas americanas ajudaram a promover o motor a jato como padrão da aviação civil. Tecnologia criada originalmente para jatos de transporte militar, ela logo encontrou aplicação no mercado civil, influenciando o desenho de aviões de passageiros como o Boeing 707. Em 1966, a mesma Boeing anunciava a chegada do enorme Jumbo 747, com capacidade para quase 500 passageiros ou 10 toneladas de carga. Seus sistemas de navegação, propulsão e controle deviam muito às pesquisas militares.
Da mesma forma, nas últimas duas décadas, dispositivos eletrônicos e materiais compostos, antes de uso exclusivamente militar, começaram a ser cada vez mais incorporados aos aviões de passageiros. É o caso do fly-by-wire, sistema computadorizado de comando e controle desenvolvido a princípio para facilitar a pilotagem de caças e bombardeiros e hoje amplamente empregado em grandes aviões comerciais. Compostos de carbono, materiais cerâmicos e ligas metálicas de grande leveza e resistência a altas temperaturas, criados para aeronaves militares que voam a altitudes elevadas e operam em condições extremas, também logo encontraram uso na aviação civil. Eles tornaram mais eficiente o avião de passageiros, permitiram o barateamento das passagens e viabilizaram o surgimento de novas empresas independentes, tornando as viagens aéreas cada vez mais acessíveis. ::
Sincronismo de metralhadora
Em 1915, a Grã-Bretanha colocou em serviço o Vickers F.B.5 Gunbus, o primeiro avião equipado com uma metralhadora. Mas havia um problema: como disparar uma metralhadora voltada para a frente sem atingir sua própria hélice? A solução surgiu ainda em 1915 com o engenheiro francês Raymond Saulnier. Ele aperfeiçoou um dispositivo para controlar a ação da arma, sincronizando-a com a hélice para impedir que as balas atingissem suas pás. O dispositivo caiu nas mãos dos alemães, e o engenheiro holandês Anthony Fokker, que trabalhava para eles, em pouco tempo desenvolveu um sistema ainda mais eficiente para resolver de vez o problema. O dispositivo interrompia os disparos da metralhadora toda vez que a hélice entrava na linha de tiro, impedindo que fosse atingida.
Carga de bombas
Um dos aspectos que mais evoluíram na história da aviação militar foi a capacidade dos aviões de carregar bombas para lançá-las contra o inimigo. Em 1918, ao fim da Primeira Guerra, um dos bombardeiros de maior capacidade era o britânico Vickers Vimy, que podia levar cerca de 50 quilos de explosivos. Na Segunda Guerra, bombardeiros como o americano B-24 já carregavam mais de 3,5 toneladas de bombas, capacidade que, durante o período da Guerra Fria, na década de 1950, seria ampliada para mais de 30 toneladas, no caso do também americano B-52.
Aventuras na História Edição 006 Fevereiro de 2004
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