terça-feira, 29 de março de 2011

EXTREMA DIREITA HERDA O ELEITORADO COMUNISTA NA FRANÇA

 O atentado perpetrado por um jovem neonazista contra o presidente francês Jacques Chirac, no dia  14 de julho, quando se comemorava mais um aniversário da Revolução Francesa, evidenciou mais um capítulo da ação da extrema direita no país.
Atentados contra governantes na França não são muito raros. O mais famoso deles ocorreu em 1962, quando Charles De Gaulle encerrava uma longa guerra colonial e aceitava a independência da Argélia. A história da tentativa de assassinato de De Gaulle por um mercenário, a soldo da extrema direita francesa, acabou virando livro de ficção (O dia do chacal, de Frederick Forsyth, que rendeu o filme homônimo de Fred Zimermann). Da ficção para a realidade: na década de 1980, o terrorista mais procurado do mundo, o venezuelano Ilitch Sanchez Ramirez, o Carlos, era conhecido também pelo codinome Chacal.
Mas a extrema direita francesa não se resume a grupos de conspiradores que agem nas sombras. Há poucos meses, Jean Marie Le Pen, candidato da Frente Nacional (FN), partido nacionalista e xenófobo, alcançou o segundo turno das eleições presidenciais, surpreendendo quase todos que esperavam, mais uma vez, uma disputa polarizada entre os conservadores do presidente Jacques Chirac e os socialistas do então primeiro-ministro Lionel Jospin.
A tradicional oposição entre direita e esquerda na França remonta à época da Revolução. Curiosamente, o próprio  significado político das expressões “direita” e “esquerda” surgiu devido à localização dos deputados no interior da Assembléia Nacional. Os revolucionários radicais ocupavam os assentos do lado esquerdo, enquanto os conservadores sentavam-se do lado direito. Essa oposição refratou-se no panorama regional francês e marcou, de forma duradoura, a geografia eleitoral do país.
A paisagem eleitoral francesa começou a se modificar no pós-guerra, em virtude de um conjunto de novos fatores políticos como a instituição do voto feminino, o crescimento das classes médias urbanas e a influência pessoal do general De Gaulle, em torno de quem organizou -se um grande partido conservador. Mas, as mudanças acentuaram-se  sobretudo a partir das décadas de 70 e 80.
Em 1981, a esquerda chegou ao poder pela primeira vez no pós-guerra, através da coalizão liderada pelo Partido Socialista (PSF) e integrada pelo Partido Comunista (PCF). Antes, em 1972, havia sido criada a FN, que no início tinha influência política e eleitoral quase desprezível. Ao longo da sua primeira década, a FN jamais obteve mais que 1% dos votos.
O crescimento da FN acompanhou a crise do PCF, que refletiu a decadência global do comunismo soviético. Nas eleições de 1989, o partido de Le Pen atingiu 14,4% dos votos; em 1995, pouco mais que 15%. Agora, no primeiro turno de 2002, alcançou 17%.
Contudo, nessas últimas eleições, um grupo dissidente da FN, liderado por Bruno Megret, conseguiu 2,4% dos votos. Assim, a votação total da extrema direita aproximou-se de 20%.
Entretanto, Le Pen foi ao segundo turno em função, principalmente, da crise política e eleitoral da esquerda tradicional. O PSF de Jospin mergulhou de 23,2% dos votos, em 1995, para 16,1%. Os quase 2,4 milhões de eleitores perdidos preferiram a abstenção ou migraram para os partidos de extrema esquerda, que conseguiram o melhor resultado em toda a história francesa.
O PCF, por sua vez, concluiu a sua longa marcha rumo à irrelevância passando de 8,7% dos votos, em 1995, para 3,4%.
O PCF perdeu mais de 1,6  milhão de eleitores.
A extrema direita ganhou cerca de um milhão de eleitores. A imensa maioria dos novos eleitores de Le Pen e Megret são antigos simpatizantes dos comunistas. O paradoxo é apenas aparente: a migração eleitoral do comunismo para a direita racista reflete a decadência das antigas regiões industriais francesas.
Pesquisas realizadas logo após o primeiro turno das eleições constataram que 30% dos eleitores da FN eram desempregados e 24%, assalariados da indústria, do comércio e dos serviços. Nesse contingente popular estão os antigos eleitores comunistas das regiões industriais do leste e nordeste, varridas pela tempestade da revolução tecno científica. Eles se juntam aos eleitores mais tradicionais da extrema direita, concentrados principalmente no sul do país .
A influência da extrema direita revela o impacto social do discurso nacionalista e xenófobo. Le Pen fala de uma França ameaçada de desintegração no interior da União Européia e inundada por imigrantes que estariam tomando os postos de trabalho dos franceses. Do ponto de vista eleitoral, pouco importa que o seu discurso careça de fundamentos econômicos e sociológicos  ele toca em emoções profundas, suscitadas pela dissolução de modos de vida que pareciam consolidados. É um sintoma de uma crise nacional, que não se encerrou com a folgada vitória de Chirac no segundo turno.
Boletim Mundo  Ano 10 n° 4

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