terça-feira, 29 de março de 2011

O APITO DA PANELA DE PRESSÃO

O vasto esquema de corrupção, acobertamento e fraude nas mais altas esferas do mundo empresarial estadunidense tem profundas raízes culturais e políticas, assim como conseqüências econômicas de longo alcance. Nos Estados Unidos, aceita-se como dogma a idéia de que ‘o que é bom para os negócios é bom para o país’: as figuras mais prestigiadas e influentes nos âmbitos da cultura, política, academia e dos meios de comunicação são oriundas do mundo empresarial. Ninguém jamais questiona sua posição hegemônica, mesmo quando setores da opinião pública criticam os seus excessos. Políticos dos principais partidos buscam o seu apoio financeiro para sustentar as campanhas eleitorais; após as eleições, banqueiros, financistas e advogados das grandes corporações dominam os ministérios e o banco central.
Muitos funcionários de alto nível entram no mundo dos negócios quando deixam seus cargos públicos. O fato de que os fiscais do governo não tenham detectado as fraudes que se praticavam nos mais altos níveis empresariais deve-se, em parte, à crença de que os empresários são incapazes de atuar de forma desonesta. E, se o fazem, é melhor que os investigadores olhem para outro lado, por medo de disseminar a desconfiança do público no sistema empresarial. O governo decidiu intervir apenas quando a corrupção dos grandes consórcios conduziu a uma queda considerável do nível de confiança dos investidores, com o objetivo de tentar restaurar o sistema. Wall Street [centro financeiro de Nova York, onde está situada a Bolsa de Valores] teme que os especuladores capitalistas retirem seu dinheiro e provoquem um colapso.
Com notável lucidez, o sociólogo estadunidense James Petras descreve a promiscuidade entre o capital financeiro e o poder público em seu país. Essa promiscuidade é tanto maior quanto mais se aposta nos “mecanismos de mercado” como os reguladores necessários e suficientes da economia, processo que tem como conseqüência o “encolhimento do Estado”. Não por acaso, os grandes escândalos de corrupção eclodiram, nos anos 80, quando o então presidente Ronald Reagan implantou uma série de medidas de “desregulamentação” do sistema financeiro, como parte de um sistema geral conhecido como “neoliberalismo”.
A especulação financeira e o dinheiro fácil, marca registrada dos anos 80, tiveram como efeito inevitável o estímulo à corrupção, a tal ponto que vários romances foram escritos a esse respeito, e depois transformados em filmes de sucesso (por exemplo, o best seller A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe). Uma sucessão de escândalos em Wall Street, semelhantes aos atuais, mostrou então que instituições financeiras aparentemente sólidas e executivos de reputação respeitável estavam envolvidos em mares de lama. Em dezembro de 1988, por exemplo, o operador de ações e títulos Drexel Burnham Lambert foi multado em US$ 600 milhões, por ter violado seis leis federais. Entre outras coisas, falsificou documentos e forneceu informações confidenciais a investidores que pagaram pelo privilégio.
É óbvio que a promiscuidade entre o poder público e o capital privado produz a desmoralização da ordem pública em seu conjunto. Em 1986, o escândalo Irã- Contras  mostrou ao mundo que altos funcionários do Poder Executivo estavam envolvidos numa complexa operação ilegal e clandestina de fornecimento de armas aos guerrilheiros que lutavam contra o governo sandinista (socialista) da Nicarágua. Para conseguir o dinheiro para comprar ilegalmente as armas, esses funcionários se associaram a poderosas quadrilhas de narcotraficantes. Mal os Estados Unidos se recuperavam do escândalo de Watergate, que derrubou o então presidente Richard Nixon, em 1974, tinham que engolir, agora, novas e dolorosas evidências de que havia algo de podre Casa Branca.
Dos anos 80 até os dias de hoje, a desmoralização do poder público só aumentou.
Em nome da proteção dos interesses econômicos das grandes corporações, a Casa Branca rompeu com o Protocolo de Kyoto, intervém militarmente em todos os quadrantes do planeta e – como também observa James Petras – abriga, hoje, mais de mil ex-ditadores e notórios torturadores de antigos “regimes aliados”, segundo denúncia documentada do Centro de Justiça e Responsabilidade diante da Lei, uma organização de advogados que defende vítimas de tortura. Trezentos dos torturadores e terroristas vivem na Flórida. Entre eles estão o oficial militar que organizou o assassinato do arcebispo Oscar Arnulfo Romero, o oficial da polícia secreta chilena que assassinou o general constitucionalista Carlos Pratts e o conhecido torturador haitiano Emmanuel Constant. Vivem em liberdade nos Estados Unidos, por um motivo básico: sua extradição permitiria revelar as relações secretas entre as corporações norte-americanas, as ditaduras e os serviços secretos dos Estados Unidos.
Razões semelhantes fizeram com que a Casa Branca votasse contra a formação de um Tribunal Penal Internacional para julgar chefes de Estado responsáveis por violações dos direitos humanos. Os Estados Unidos foram expulsos da Comissão de Direitos Humanos da ONU, por terem sabotado as atividades daquele organismo, e por terem votado sistematicamente contra todas e cada uma de suas resoluções, ao longo de cinco décadas de funcionamento.
Assim, em nome da proteção dos interesses das corporações, uma grande nação coloca em risco os pilares do sistema que gerou a sua grandeza. “Temo pelo meu país quando reflito que Deus é justo”, dizia Thomas Jefferson, ao advertir contra a vocação imperial de seu país (estudioso do Império Romano, ele temia que a corrupção produzisse o apodrecimento e a queda do sistema). Ecoando Jefferson, Abraham Lincoln notou o crescente poder das corporações, já na segunda metade do século XIX. Os atuais escândalos de corrupção funcionam como um “apito da panela de pressão”. Trata-se de um período decisivo da história. O desfecho dependerá da vitalidade da democracia, em sua luta contra o império das corporações.
As fraudes da “ganância infecciosa
Alan Greenspan atribui à “ganância infecciosa” as fraudes colossais nos balanços
de grandes empresas americanas. Os principais exemplos da “doença”:
Enron – Há pouco, a maior empresa de energia do mundo “inflou” rendimentos, gerando perdas de 25 bilhões de dólares.
Global Crossing – Com dívidas de 26 bilhões de dólares, a empresa de telecomunicações pediu concordata em janeiro.
WorldCom – Segunda maior empresa de telecomunicações americana e proprietária da Embratel. Registrou como “investimentos” despesas de 3,8 bilhões de dólares.
Xerox – Gigante das copiadoras, escondeu perdas de 6,4 bilhões de dólares.
Adelphia – Sexta maior empresa de TV a cabo americana, “maquiou” prejuízos de 3,1 bilhões de dólares.
Merck – A gigante da indústria farmacêutica registrou receitas falsas de 12,4 bilhões de dólares.
Boletim Mundo Ano 10 n° 4

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