Para o biógrafo americano Paul Hoffman, Dumont não quis patentear suas invenções porque queria que todas as pessoas pudessem experimentar a emoção de voar
Por Tiago Cordeiro
O jornalista americano Paul Hoffman conheceu a história de Santos Dumont em 1996, quando um amigo recém-chegado do Rio de Janeiro comentou que os brasileiros tinham certeza de que os irmãos Wright não foram os primeiros a voar. Hoffman, que foi presidente da Enciclopédia Britânica e editor da revista científica Discover, veio ao Brasil, teve acesso aos documentos sobre Santos Dumont preservados pela família e, depois de três anos de pesquisas, escreveu a biografia Asas da Loucura. Nesta entrevista, o jornalista explica por que o brasileiro nunca patenteou nenhum invento.
Quem é mais importante, Santos Dumont ou os irmãos Wright?
Santos Dumont foi o primeiro a mostrar para o mundo que era possível voar usando um aparelho mais pesado do que o ar. Ele fez isso em 1901, quando circundou a Torre Eiffel com um dirigível em forma de charuto, movimentado por um motor a combustão. Mas foram os irmãos Wright que voaram com um avião pela primeira vez, em 1903. Os brasileiros preocupam-se demais em discutir se ele chegou antes dos Wright, mas isso não é o mais importante. Santos Dumont foi o inventor que mais estimulou o desenvolvimento da aviação.
Como ele ficou tão famoso na França?
Ele tinha três características que os parisienses adoravam: era elegante, vaidoso e abnegado. Isso fez dele a pessoa mais importante em Paris no começo do século. A multidão que se reuniu para ver o vôo ao redor da Torre Eiffel é uma das maiores já registradas na história. Sua imagem estava nas caixas de charutos, nos aparelhos de jantar e nos brinquedos. O cabelo repartido ao meio, o chapéu panamá e o colarinho alto e duro que ele usava tornaram-se moda obrigatória. Ele era um showman. Tinha um grande senso de estilo e vestia-se com roupas muito caras. Também era o único que voava regularmente sobre Paris, então todo mundo o via.
Dumont era religioso?
Santos Dumont não era religioso do jeito como as pessoas costumam ser. Não freqüentava igrejas, não falava em Deus. Mas era um visionário em outro sentido. Ele queria que todas as pessoas experimentassem a emoção de voar. Ele acreditava em uma espécie de espiritualidade aérea. Achava que as pessoas, ao voar, sozinhas lá no alto, teriam a oportunidade de enxergar o mundo de outra perspectiva e perceber quem elas realmente eram. Voar, para ele, era uma experiência pessoal intensa, que podia mudar a vida das pessoas. Por isso ele nunca patenteou suas invenções.
Ele era gay?
Provavelmente sim. Ele sempre foi visto em público ao lado de mulheres lindas, mas nunca se comprometeu seriamente com nenhuma. Ele era muito cativante em público, quando estava voando sobre as multidões, mas tremendamente tímido em privado. E era muito teimoso, acreditava com muita intransigência em suas próprias crenças.
Dumont tinha muitos amigos?
Não muitos, ele era recluso. Mas ele se tornou muito amigo dos mecânicos que o ajudavam a construir suas máquinas. Também era muito próximo de Thomas Edison e Alive Roosevelt, a filha do famoso presidente americano. Seu amigo mais próximo, e provável amante, era George Goursat, um jornalista e cartunista francês conhecido pelo pseudônimo Sem.
Por que ele desistiu da aviação depois de 1909?
Porque ficou muito magoado quando percebeu que os irmãos Wright tinham ficado muito mais famosos do que ele. Ele podia ser abnegado, mas era vaidoso. Além disso, os vários acidentes que ele sofreu deixaram sua saúde muito abalada.
Ele realmente cometeu suicídio por causa da aplicação bélica dos aviões?
Sim. Ele estava no Brasil quando a Revolução de 1932 começou, e viu irmãos bombardeando irmãos. Assistir de perto à matança entre compatriotas foi demais para ele. Dumont não conseguia entender como sua invenção foi responsável por tamanha destruição. Ele acreditava sinceramente que os aviões seriam um instrumento da paz, porque culturas diferentes poderiam se aproximar e se conhecer melhor.
Hoje Santos Dumont é conhecido fora do Brasil?
Ele é conhecido e admirado na França, mas pouco famoso nos Estados Unidos. Foi por isso que eu escrevi meu livro, para que os americanos tivessem a oportunidade de conhecer melhor este grande homem.
Aventuras na História Edição 006 Fevereiro de 2004
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