quarta-feira, 30 de março de 2011

OS HIDROCARBONETOS, DO GOLFO AO CÁSPIO

Nelson Bacic Olic
Petróleo aparece, para o grande público, quase que como sinônimo de Oriente Médio. A associação não é casual: ao longo do século XX, essa porção do continente asiático tornou-se a maior produtora e exportadora mundial de petróleo, além de detentora das maiores reservas comprovadas do “ouro negro”.
O Oriente Médio abrange uma área de cerca de 5 milhões de km2, pouco mais da metade da superfície brasileira. Contudo, por um “capricho geológico”, o petróleo é encontrado quase que exclusivamente em torno do Golfo Pérsico . A Arábia Saudita, o Iraque, o Irã e as monarquias do Golfo (Kuwait, Qatar, Bahrein e Emirados Árabes Unidos) são responsáveis por cerca de um quarto da produção mundial de petróleo.
Todavia, pouco mais de mil quilômetros ao norte do Golfo Pérsico, na região da Ásia Central, existe uma outra área extremamente promissora em termos de produção de hidrocarbonetos. O núcleo dessa área é o Mar Cáspio. Destacam-se aí a produção petrolífera do Casaquistão e Azerbaijão e a de gás natural no Usbequistão e Turcomenistão. Se, hoje, a produção desses países ainda não é tão expressiva (2% da produção mundial de petróleo e 4% da de gás), as previsões indicam que a extração desses recursos energéticos seja no mínimo triplicada nos próximos vinte anos.
Desde o final do século XIX, a riqueza petrolífera do Mar Cáspio despertava o interesse das grandes potências. Nos idos de 1897, ainda na infância da “era do petróleo”, os campos de Baku, no Império Russo (atual Azerbaijão), eram responsáveis por 45% da produção mundial do “ouro negro”. Em seguida, a região do Cáspio perdeu importância, sendo suplantada por diversas outras áreas produtoras. Na antiga União Soviética, a extração na região do Cáspio foi relegada a segundo plano, em função da descoberta de vastos depósitos de petróleo e gás no Volga/ Ural e na Sibéria. Em 1991, a extração do Cáspio representava apenas 3% da produção soviética. Contudo, a desintegração da União Soviética e o surgimento das repúblicas independentes da Ásia Central e do Cáucaso relançaram o interesse ocidental pelos recursos energéticos da região.
Do ponto de vista geopolítico, configurou-se um “espaço caspiano”, no qual se cruzam os interesses contraditórios de vários Estados, de dentro e de fora da região. Geograficamente, o “espaço caspiano” agrupa Estados ribeirinhos do Mar Cáspio (Azerbaijão, Rússia, Turcomenistão, Casaquistão e Irã), os Estados do Cáucaso (Geórgia, Armênia e Azerbaijão) e repúblicas e regiões autônomas da Rússia caucasiana, como a Chechênia e o Daguestão. Nos últimos anos, é em torno do “espaço caspiano” que se desenrola a corrida pela “nova fronteira” dos hidrocarbonetos.
As antigas repúblicas soviéticas do Azerbaijão, Casaquistão, Turcomenistão e Usbequistão caracterizam-se por serem países muçulmanos e não possuírem acesso direto a mares abertos. O escoamento de seus hidrocarbonetos tem que atravessar territórios estrangeiros.
Por isso, na disputa pela “nova fronteira” caspiana, um dos temas quentes, com amplas repercussões geopolíticas e econômicas, é o traçado dos oleodutos e gasodutos. Antes de 1991, os dutos conduziam hidrocarbonetos das áreas produtoras do Azerbaijão e Casaquistão em direção aos portos de Novorossilsk (Rússia) e Supsa (Geórgia), no Mar Negro. A União Soviética controlava os dutos e os portos.
A independência das repúblicas da Ásia Central e do Cáucaso abriu caminho para novos projetos de oleodutos e gasodutos. Assim, em direção ao oeste, há projetos de um duto que, partindo do Azerbaijão, atravessaria a Geórgia e a Turquia, chegando ao porto turco de Ceyhan, no Mediterrâneo. A Turquia, observe-se, é um Estado chave no dispositivo estratégico dos Estados Unidos. Os dutos que correm para o oeste cruzam regiões conflitivas na Rússia (Chechênia), na Geórgia e na Turquia.
Outro projeto, em fase de estudos, prevê o escoamento do gás natural do Turcomenistão numa direção geral norte-sul, em duas variantes. A primeira alcançaria o Golfo Pérsico, através do território do Irã. A fraqueza dessa alternativa encontra-se nas incertezas ocidentais sobre o futuro político do Irã. A segunda variante alcançaria o litoral do Paquistão, cruzando o território do Afeganistão. Eis aí um dos grandes incentivos para a “pacificação” do Afeganistão.
Um último projeto, aparentemente pouco exeqüível em função das imensas distâncias envolvidas, prevê dutos ligando áreas produtoras do oeste do Casaquistão a portos da China. Seria um trajeto de mais de 3 mil quilômetros, abrangendo regiões montanhosas e inóspitas.
O Golfo Pérsico, “fronteira de hidrocarbonetos” do início do século XX, é uma área de fácil acesso através dos mares. O Cáspio, “fronteira de hidrocarbonetos” do início do século XXI, apresenta obstáculos geográficos e geopolíticos incomparavelmente maiores.
A origem do petróleo em debate
É uma história clássica. Há milhões de anos, microrganismos marinhos sedimentaram-se no fundo de oceanos e mares. Sob pesadas camadas de sedimentos, sem oxigênio, a matéria orgânica transformou-se lentamente em petróleo e gás natural. Certo?
Errado, segundo o cientista americano J. F. Kenney, que há pouco publicou um artigo na prestigiosa Proceedings of the National Academy of Sciences propondo  uma teoria diferente. O petróleo e o gás natural teriam surgido da mistura de substâncias inorgânicas  água, carbonato de cálcio e óxido de ferro – a temperaturas em torno de 1.500 graus Celsius e pressão de 50 mil atmosferas, no manto superior, 100 quilômetros abaixo da superfície. A tese de Kenney, em versão simplificada, já tinha sido exposta em 1951 por um grupo de cientistas soviéticos. A novidade é que Kenney demonstrou, experimentalmente, que um coquetel de alcanos similar ao que existe no petróleo é gerado por aquela mistura inorgânica, quando submetida às temperaturas e pressões descritas.
O debate já pegou fogo. Os defensores da teoria clássica, que é hegemônica, sustentam que as moléculas do “petróleo inorgânico” se desintegrariam ao subir lentamente para a litosfera. Kenney não tem resposta para isso: no seu experimento, teve que resfriar subitamente o coquetel de alcanos. Por outro lado, a teoria clássica também tem seus furos. O principal, apontado por Kenney, é a aparente impossibilidade termodinâmica de transformação de material orgânico em alcanos sob as temperaturas e pressões relativamente baixas da litosfera. Jogo empatado?
Boletim Mundo Ano 10 n° 6

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