José Arnaldo Favaretto
Há cerca de 10 mil anos, uma significativa mudança cultural alterou o modo de vida de nossos antepassados, antes baseado em atividades nômades de caça e coleta, para um padrão centrado no cultivo de plantas, na criação de animais e no estabelecimento de núcleos populacionais. Acabávamos de perder o paraíso!
Se entendemos “revolução” como um momento que rompe com o antigo e cria um novo modo de vida, alguns períodos da história humana de fato merecem este nome: a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, para ficarmos em dois exemplos clássicos.
Entretanto, a “mãe de todas as revoluções” é mais antiga: ocorreu no Neolítico, tornou-se conhecida como a Primeira Revolução Agrícola e fincou as raízes das modernas sociedades urbanas.
Durante mais de 90% da história humana, fomos caçadores e coletores. A partir do momento em que passamos a plantar e a criar, desviamos irreversivelmente o destino dos ecossistemas. Se, antes, era suficiente pequena fração da matéria orgânica na forma de mariscos e frutas, principalmente , depois passamos a colocar os ecossistemas a trabalhar em favor de uma só espécie: a nossa.
Antes, bastava-nos o excedente. Depois, passamos a exigir a maior fração! Adeus, Éden…
Toda sucessão ecológica é uma seqüência de alterações na composição das comunidades, culminando com a formação de uma comunidade clímax, relativamente estável. Ao mesmo tempo em que a biomassa e a biodiversidade aumentam, eleva-se a produtividade primária bruta (total de matéria orgânica produzida por área) e diminui a produtividade primária líquida (saldo da matéria orgânica disponível para os consumidores do ecossistema, inclusive seres humanos). Uma floresta tropical, portanto, consome quase tudo o que produz. Isso explica porque o modo de vida extrativista mantém populações humanas relativamente pequenas.
Quando um ecossistema natural cede lugar a uma área agrícola, a situação se inverte: as lavouras têm a finalidade de gerar excedentes. Em outras palavras, é a produtividade primária líquida que interessa.
Como a quantidade de energia que a área recebe do sol não aumenta, só há um meio de arrancarmos do solo mais do que ele naturalmente produziria: à custa de investimento químico (fertilizantes) e energético, na forma de trabalho muscular, movido a ATP (tração animal ou a velha enxada), ou trabalho mecânico de tratores e implementos agrícolas, queimando combustíveis fósseis .
Graças ao investimento energético, à utilização de fertilizantes e à escolha criteriosa das variedades cultivadas, os ecossistemas agrícolas têm elevada produtividade primária líquida, que é removida e exportada (grãos em geral, como soja, trigo, feijão etc.) ou pastada (principalmente pelo gado bovino). Com isso, a agricultura faz com que uma determinada área possa alimentar maior número de pessoas. Não é simples coincidência a população mundial ter aumentado significativamente após a Primeira Revolução Agrícola.
Com a publicação de seu livro Primavera silenciosa, em 1962, a pesquisadora americana Rachel Carson fez as pessoas se darem conta de que pesticidas sintéticos causam danos ao ambiente.
Todavia, é inegável que a utilização de defensivos agrícolas e fertilizantes inorgânicos, principalmente a partir de meados do século XX, provocou um formidável salto na produtividade agrícola em todo o mundo, na chamada Segunda Revolução Agrícola.
O emprego de fertilizantes químicos difundiu-se a partir de 1950 e acredita-se que, sem eles, a produção mundial de alimentos seria 40% menor. Paralelamente, de toda a produção mundial de alimentos, 55% são perdidos nas lavouras, no armazenamento ou no transporte, e os insetos respondem por mais de um terço desse desperdício. Sem os inseticidas, a oferta mundial de alimentos seria reduzida à metade.
Os biocidas químicos (particularmente os inseticidas) desenvolveram-se a partir de 1939, e entre 1950 e 1990, a quantidade usada em todo o mundo aumentou trinta vezes. Um dos sérios problemas provocados pelo uso excessivo de inseticidas é a seleção de linhagens resistentes de insetos. Quantidades progressivamente maiores passam a ser empregadas, acentuando os efeitos lesivos desses produtos sobre o ambiente.
Alegar esses efeitos prejudiciais para banir o uso de biocidas sintéticos soa tão esdrúxulo como não se utilizarem os antibióticos no combate a infecções. Aos agricultores, cabem os mesmos cuidados dos médicos: biocidas sintéticos e fertilizantes inorgânicos apresentam efeitos colaterais ao ambiente e aos seres humanos.
Seu uso deve ser cauteloso e, sempre que possível, dar lugar a métodos alternativos, como o emprego de fertilizantes orgânicos, de inimigos naturais de pragas e de certas práticas de cultivo, como a rotação de culturas.
Tivessem existido movimentos contrários às investigações genéticas com variedades agrícolas há alguns milênios e provavelmente não comeríamos, hoje, o “pão nosso de cada dia”. O trigo atual (Triticum aestivum), uma das plantas mundialmente mais cultivadas, resulta de cruzamentos realizados entre diversas variedades de cereais selvagens. Os primitivos agricultores atuaram como agentes de seleção, identificando, isolando e perpetuando variedades com características mais vantajosas (maior produtividade, ciclos reprodutivos mais curtos, resistência a pragas). A mesma coisa ocorreu com outras espécies vegetais, como a batata e o tomate, para citarmos dois exemplos originários das Américas.
O que a moderna biotecnologia vem buscando é tirar da mão do acaso o deslocamento de genes de um organismo para outro. As técnicas de manipulação genética têm desenvolvido, principalmente, variedades de plantas resistentes a herbicidas ou a insetos. Como não poderia deixar de ser, numerosas preocupações cercam a utilização de variedades transgênicas, desde potenciais riscos à saúde humana e aos ecossistemas, até a transmissão horizontal (de uma espécie para outra) desses genes, o que poderia levar ao desenvolvimento de super-pragas.
O princípio da precaução advoga que, havendo dúvida a respeito da segurança, mais estudos devem ser feitos até que possamos optar pela liberação ou proibição dos transgênicos.
Os alimentos geneticamente modificados têm provocado discussões em que se misturam aspectos ambientais, médicos, comerciais e éticos. Em alguns países, como nos Estados Unidos, os transgênicos quase não têm encontrado resistência; em outros, como na Inglaterra, são o novo “mal do século”, e mais da metade da população os rejeita.
Os seres humanos vêm alterando os ecossistemas desde o dia em que trocaram a coleta pelo cultivo. De lá para cá, e cada vez mais rápido, estamos desconstruindo e reconstruindo os ambientes.
Se quisermos responsabilizar alguém por isso, é melhor mandarmos uma mensagem desaforada aos nossos antepassados do Neolítico. Eles é que começaram tudo isso!
Boletim Mundo Ano 10 n° 3
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