Newton Carlos
A 26 de outubro de 1883, onze clubes e colégios de Londres criaram a The Football Association, ainda hoje nome da federação inglesa. Em sua origem um esporte de elite, o futebol acabou se tornando, a partir de Inglaterra, uma febre universal e epicentro de grandes negócios. Interesses econômicos ingleses estiveram por trás do nascimento, no Brasil, dos primeiros clubes.
O Ponte Preta, de Campinas, foi impulsionado pelos cofres das ferrovias controladas por capitais da Inglaterra as São Paulo Railway, Paulista e Mogiana.
Campinas era, na época, grande entroncamento ferroviário.
O Rio Grande, no porto gaúcho, recebeu verbas da Swift. Em Pernambuco, o apoio partiu da Great Western e, em Minas Gerais, das fábricas de Juiz de Fora e das minas de Morro Velho. Aos poucos, o futebol instalou-se com mais vigor no eixo Rio -São Paulo.
A Federação Internacional de Football Association (Fifa) surgiu em 1904, de cabeças européias.
Foi, durante muito tempo, uma entidade de fachada e interiores modestos, modelar, comprimida em pequenas instalações em Zurique, na Suíça. “Funcionava com cinco velhinhos”, dizia o colunista esportivo e ex-técnico da seleção brasileira João Saldanha. A partir de 1930, a Fifa começou o seu processo de “universalização”, com as Copas do Mundo.
A primeira, jogada no Uruguai, em homenagem ao bicampeão olímpico. Instalou-se uma nova realidade no futebol mundial, com o duplo feito do Uruguai: sediou a copa inaugural e ganhou-a espetacularmente.
O resultado foi uma virtual alternância entre países europeus e latino-americanos, que ganharam peso dentro da entidade. Entre 1930 e 1994 realizaram-se 16 copas, nove na Europa e sete do lado de cá.
A grande virada aconteceu em 1974. O quadro mudou com o desmonte dos impérios, depois da Segunda Guerra Mundial, e a descolonização acelerada nos anos 60. Filiaram-se à Fifa uma porção de países do Terceiro Mundo. Desestabilizou-se o pingue-pongue entre Europa e América Latina. O brasileiro João Havelange conseguiu mobilizar e articular essa gente, elegeu-se primeiro presidente não europeu da Fifa e exerceu seis mandatos sucessivos, durante 24 anos. A entidade transformou-se em potência econômica e financeira.
Entraram em cena as redes de televisão de todo o mundo, as vendas de patrocínios, os contratos milionários de marketing. Na Fifa, as disputas pelo poder se tornaram acirradas. A eleição do sucessor de Havelange, em 1998, tornou-se um vale-tudo entre o sueco Lenart Johansson, presidente da União Européia da Futebol Association, a Uefa, e o suíço Joseph Blatter, já secretário-geral, da turma de Havelange. Blatter ganhou e escândalos pipocam agora. Em pauta, a falência suspeita da empresa suíça de marketing esportivo ISL, parceira comercial da Fifa durante 30 anos.
Blatter fala em perdas de 32 milhões de dólares.
O Daily Mail, de Londres, garante que o prejuízo foi dez vezes maior. Por quais ralos teria escorregado essa dinheirama? O vice-presidente da Confederação Africana, Arah Addo, disse que os aliados de Blatter lhe ofereceram 100 mil dólares, há quatro anos, para votar no suíço. Addo afirma que foram comprados os votos de 25 dirigentes de federações africanas.
Uma nova empresa, a alemã Kirch, herdou os direitos de comercialização cedidos pela Fifa. Os adversários de Blatter pressionam por inquéritos mais rigorosos, depois de constatada a falência também da Kirch, com dívidas de seis bilhões de dólares. Ela comprou os direitos de transmissão das copas de 2002 e 2006. Tentou salvar-se vendendo antecipadamente, sobretudo na América Latina, direitos de transmissão para 2006.
A Fifa experimenta mais uma virada que pode beneficiar Blatter. Ele administra a abertura para ou tros continentes. Ou mercados. A copa no Japão e Coréia do Sul é a primeira fora do eixo Europa- Américas. Em seguida, será a vez da África. Juntar Japão e Coréia do Sul já foi um meio de multiplicar votos e negócios.
Os japoneses ocuparam a península coreana, entre 1910 e 1945, e cometeram um mundo de atrocidades.
A mais conhecida é a de mulheres coreanas laçadas para atender sexualmente a soldados imperiais. O atual primeiro-ministro do Japão, um nacionalista, já se curvou num atrasadíssimo pedido de desculpas. Mas persistem problemas. Os sul-coreanos não gostaram do apoio japonês à guerra dos Estados Unidos no Afeganistão.
Medo de que o Japão se aproveite para ressurgir como potência militar. Também ficaram de pé atrás com o selo oficial a um livro didático japonês que “ameniza” o passado imperial. Japão e Coréia do Sul são, no entanto, bons parceiros comerciais.
Esperanças de boas conseqüências políticas não faltam, pelo menos. O presidente do parlamento da Coréia do Norte foi convidado a presenciar a cerimônia de abertura em Seul, capital sul-coreana. As duas Coréias continuam, tecnicamente, em estado de guerra e a política de distensão do governo sul-coreano pode se fortalecer. Quatro bandas do Japão e quatro da Coréia do Sul compuseram, em conjunto, a canção oficial da copa. Sinal dos tempos.
Boletim Mundo Ano 10 n° 3
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