terça-feira, 29 de março de 2011

Puf: a bolha estourou

Qualquer um sabe que, se tivesse aplicado apenas alguns dólares em ações, há alguns anos, poderia estar recolhendo agora lucros fabulosos.
Qualquer um suspeita que existam oportunidades semelhantes hoje, se ele puder apenas ter as dicas corretas. O resultado é que os especuladores estão comprando apenas com base em expectativas e quase sem levar em conta os ganhos, ativos e dividendos atuais das empresas.
(Leonard P. Ayres, diretor da corretora Cleveland Trust
O comentário aplica-se ao que vem acontecendo nos Estados Unidos, onde empresas gigantescas estão quebrando quando se revela que suas ações cotadas em bolsas de valores estavam “infladas”; não correspondiam aos “ganhos, ativos e dividendos atuais”, como explica Ayres. Certo? Errado. O analista financeiro escreveu esse trecho pouco antes do crash, a terrível quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, um momento decisivo para que o mundo mergulhasse em uma das mais graves crises da história do capitalismo.
Mas qualquer semelhança entre o comentário de Leonard Ayres e a situação atual não é mera coincidência. A crise de 1929 e o momento atual se inscrevem na lógica de ciclos do capitalismo. Uma equação do tipo desenvolvimento econômico e tecnológico provoca euforia e especulação desenfreada, que provoca superprodução e inflação de preços de ações, que desemboca em crise financeira e recessão econômica.
Foi assim no final do século XIX, quando a expansão das ferrovias, do telégrafo e das empresas de energia elétrica ou gás rumo às antigas colônias e áreas de influência deu origem a uma febre especulativa, logo seguida pela recessão. A recessão sinalizava o descompasso entre o crescimento econômico real e a valorização especulativa das ações das empresas. Foi assim também em 1929, momento em que a economia capitalista, os Estados Unidos à frente, parecia viver um ciclo inesgotável de expansão. Mais uma vez, a escalada econômica assentava-se sobre uma revolução tecnológica – a do petróleo e dos motores a combustão interna, que originava a indústria do automóvel.
A escalada econômica tinha tudo para provocar euforia. Entre 1899 e 1927, a produção americana de aço crescera 780%; a indústria de máquinas, 562%. Empresas como a potência siderúrgica U.S. Steel operavam com capacidade ociosa zero no início de 1929.
A euforia orientava-se para a especulação com ações. E a escalada financeira superava, largamente, a escalada econômica. Um operário que aplicasse um punhado de dólares em ações de primeira linha, em Wall Street, recebia, ao final do mês, dividendos muito superiores ao valor do seu salário.
De repente, quando se evidencia que a escalada especulativa está chegando ao seu limite, tem início a venda desenfreada de ações, a desvalorização de ativos e a quebradeira de empresas cujo crescimento já se chocava com os limites impostos pela dimensão do mercado.
Aí, é o caos. Apenas na célebre “quinta-feira negra” – o 29 de outubro de 1929 – sumiram do mapa da riqueza financeira 15 bilhões de dólares em ações, por conta da desvalorização da Bolsa de Nova York.
O mundo capitalista criou, após a Segunda Guerra Mundial, instituições como o Banco Mundial (Bird) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), destinadas, em teoria, a racionalizar os mercados e reduzir o impacto de eventuais crises. Nos últimos tempo, esses objetivos não têm sido atingidos.
Em 1997, a economia da Rússia – que oferecia aos investidores os juros mais altos do mundo – naufragou quando surgiram rumores sobre a fragilidade de seu sistema bancário. No ano seguinte foi a vez de alguns “Tigres Asiáticos”, como a Malásia, a Coréia do Sul e a Tailândia, cujas economias haviam crescido por anos a taxas assombrosas. Um crescimento que desapareceu – junto com os investimentos estrangeiros – no momento em que se descobriu que inúmeros bancos tinham nas mãos “micos” de dezenas de bilhões de dólares: créditos fáceis para a especulação imobiliária ou para empresas de saúde duvidosa.
Aí veio o colapso das ponto.com, as supervalorizadas empresas de internet. Alan Greenspan, o poderoso presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, bem que alertou para a “exuberância irracional” dos mercados acionários, avisando que a euforia com o desenvolvimento das empresas de internet era falsa, não tinha lastro na economia real. Por anos, difundiu-se a idéia de que um garoto com seu computador, instalado na garagem de casa e a bordo de uma boa idéia, poderia tornar-se milionário. Alguns conseguiram.
Mas, em dois anos, a valorização das ações das empresas ponto.com transformou-se em fumaça.
Agora, vive-se o segundo tempo da explosão dessa bolha. Grandes multinacionais, que investiram bilhões de dólares em complicadas fusões e no desenvolvimento de produtos sofisticadíssimos, tiveram de “maquiar” sua contabilidade, para que as ações não tivessem o mesmo fim dos papéis das ponto.com.  Só que isso veio à tona e ficou claro que as fortunas aplicadas em produtos de última geração não encontram demanda suficiente nos mercados reais. Quantos podem – ou querem – comprar uma geladeira com internet ou um celular com acesso à web (e cujo desenvolvimento custou uma pilha de dinheiro)?
Mas, diferentemente do que ocorreu em 1929, a integração da economia mundial encontra-se num patamar superior. Assim, diversos países do mundo subdesenvolvidos, hipotecaram seu futuro no altar das finanças internacionais. A Argentina, por exemplo, privatizou tudo o que podia e apostou a sua estabilidade no fluxo supostamente incessante de investimentos estrangeiros em busca de boas oportunidades de negócios. O Brasil não foi tão longe mas seguiu rumo semelhante, oferecendo altíssimas taxas de juros para que os dólares das finanças globalizadas ajudassem a fechar as contas públicas e a conta externa.
A explosão da bolha americana fez minguar o dinheiro rumo à Argentina. E, apenas nos últimos sete meses, 1,45 milhão de argentinos foram atirados ao desemprego e ao subemprego. Hoje, nada menos que 45% da população economicamente ativa (PEA) daquele país divide-se entre essas duas categorias. No Brasil, a redução do jorro de dinheiro externo – agravada pelas incertezas do período eleitoral – fez com que as empresas com ações em bolsa perdessem a fortuna de 53 bilhões de dólares entre janeiro e julho.
A depressão mundial gerada pela crise de 1929 perdurou por toda a década de 30. Na verdade, a recuperação americana só começou durante a Segunda Guerra Mundial, puxada pela mobilização nacional de recursos exigida pelo conflito militar. A crise atual não gerou, ainda, uma depressão global. Mas essa perspectiva paira no horizonte. Nessa hipótese, qual seria a porta de saída?
Boletim Mundo Ano 10 n° 4

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