Em fevereiro, Porto Alegre foi a “capital da esquerda”; encerrado o fórum, sobram indagações
“Os eventos de 11 de setembro estão sendo muito explorados com esta finalidade: é como se os poderosos afirmassem que vão lutar por seus interesses mais despudoradamente e ferozmente do que nunca, ao mesmo tempo exigindo que os povos do mundo sejam mais submissos, mais quietos e mais silenciosos e não protestem contra nada. Podemos descartar essa ordem ridícula e levar adiante os programas que consideramos cruciais. Para mim, o Fórum Social Mundial está dando pela segunda vez a resposta a esta questão”.
O Fórum Social Mundial está se deformando, foi tomado de assalto pelos social-democratas. O espírito com que nasceu o fórum, centrado na luta pelo socialismo, começou a se perder neste ano para dar lugar a uma tropa de social-democratas europeus.
Eles estão sufocando a voz dos mais pobres. A Argentina segue entregando tudo aos Estados Unidos, passa fome cada vez mais e o fórum nem fala seriamente sobre esses assuntos.” (Hebe de Bonafini, presidenta da Associação das Mães da Praça de Maio) O 2º Fórum Social Mundial, realizado entre 31 de janeiro e 5 de fevereiro, em Porto Alegre, atraiu mais de 50 mil pessoas do mundo inteiro, representando uma infinidade de organizações não governamentais, grupos ambientalistas, partidos políticos, intelectuais, movimentos sociais e entidades estudantis, que debateram temas referentes à globalização ou “globalitarismo”, como preferia o saudoso professor Milton Santos.
Mesmo entre os que participaram do fórum, há pelo menos duas grandes linhas de interpretação sobre a sua natureza e importância, como vemos acima.
Para os “otimistas”, como Chomsky, ele serviu como um momento de organização contra a “globalização capitalista”. Os “pessimistas”, como Bonafini, acreditam que o fórum perdeu seu impulso original de “luta contra o capitalismo”, o qual teria sido demonstrado em 2001, também em Porto Alegre. Virou, no máximo, um “parlamento” bem comportado.
Como explicar essa disparidade de avaliações? Não pretendemos, aqui, oferecer todas as respostas . Por enquanto, basta assinalar que as diferentes percepções refletem um debate mais profundo, travado no interior do fórum.
De um lado, estão aqueles que como Chomsky e Bonafini – acreditam ser impossível “reformar” o capitalismo, torná-lo mais “humano”. O fórum deveria funcionar como um eixo de organização da luta pelo socialismo. De outro lado, estão aqueles que acreditam ser possível “disciplinar o capitalismo”, impor limites à globalização são os “social- democratas” a que se refere Bonafini, em particular o Partido Socialista Francês, um dos organizadores do evento.
Chomsky acredita que o fórum ainda serve como palco de debate e organização da luta socialista; Bonafini acredita que os “reformistas” já ganharam a batalha e assumiram o controle.
Curiosamente, esse mesmo debate foi travado por aqueles que não aceitaram sequer participar do fórum: a “extrema esquerda”, por acreditar que o evento já nasceu “reformista”, favorável ao “capitalismo de face humana”, e a “extrema direita”, por acreditar que tudo não passa de “bobagem” e perda de tempo, já que não haveria alternativa séria à “economia de mercado”, e para administrá-lo já existem instituições adequadas, como a OMC, o FMI e o Banco Mundial.
Há, no entanto, algo que ninguém pode, seriamente, colocar em questão: o fórum representa um fenômeno novo na conjuntura mundial – um desdobramento importante de movimentos contrários à globalização (não por acaso, o Acampamento da Juventude de Porto Alegre foi batizado com o nome de Carlo Giuliani, em homenagem ao rapaz de 23 anos assassinado pela polícia italiana, em 20 de julho, durante as grandes manifestações de Gênova). É também um sintoma visível e inegável de que “alguma coisa está fora da nova ordem mundial”.
O que será?
“Raio–X” do fórum
Os quatro eixos de debate:
1) Produção de riquezas e reprodução social: comércio mundial, corporações transnacionais, controle de capitais financeiros, dívida externa, economia solidária.
2) O acesso às riquezas e a sustentabilidade: propriedade intelectual, medicamentos, meio-ambiente, água, povos indígenas, populações urbanas, segurança alimentar.
3) A afirmação da sociedade civil e dos espaços públicos: combate à intolerância, democratização da mídia, produção cultural – identidade, violência doméstica, migrações, educação.
4) Poder político e ética: organismos internacionais e arquitetura do poder mundial, democracia participativa, soberania, luta pela paz, direitos humanos.
Quem participou:
• 51.300 pessoas: 210 etnias, 186 línguas, 15.230 delegados;
• 4.909 organizações da sociedade civil de 131 países;
• 57% participantes homens; 43% participante mulheres;
• 15.000 jovens de 52 países
• intelectuais e lideranças políticas: Noam Chomsky, Hebe Bonafini, Ignacio Ramonet, João Pedro Stedile, Adolfo Perez Esquivel, Emir Sader, Tariq Ali e Augusto Boal, entre muitos outros.
As maiores delegações:
1) Brasil – 8.503 delegados; 2.368 organizações;
2) Itália - 979 delegados; 406 organizações;
3) Argentina - 924 delegados; 274 organizações;
4) França - 682 delegados; 224 organizações;
5) Uruguai -465 delegados; 54 organizações;
6) Estados Unidos – 406 delegados; 166 organizações.
Mídia:
• 3.000 jornalistas credenciados, dos quais 2.400 representavam 1.050 veículos;
• 467 jornais, 193 revistas, 188 rádios, 140 mídia digital, 116 canais de televisão (48 países);
• 780 profissionais free-lancers de 33 países.
Boletim Mundo Ano 10 n° 1
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