sexta-feira, 18 de março de 2011

DISCURSO DO “EIXO DO MAL” DEFINE OS NOVOS ALVOS DE WASHINGTON

A “guerra contra o terror” ingressa em nova etapa; agora, Iraque é o inimigo prioritário
O discurso de George W. Bush sobre o Estado da União, em janeiro, sedimentou e aprofundou a orientação da política externa americana definida após 11 de setembro. A “guerra contra o terror” foi reafirmada como prioridade de Washington e seus novos alvos ganharam contornos precisos. Iraque, Irã e Coréia do Norte classificados, na linguagem infantil típica de Bush, como o “eixo do mal”  entraram na alça de mira.
O pronunciamento presidencial diante do Capitólio estava cercado por intensa expectativa. A campanha militar no Afeganistão representou uma vitória, mas a cabeça de Osama Bin Laden não foi servida ao público em bandeja de prata. O regime afegão instalado no lugar do Taleban revela-se instável. Além disso, a persistência da recessão ameaça corroer o apoio popular e o consenso bipartidário que sustentam a “guerra ao terror”. Pesquisas de opinião indicam que a economia já se tornou tão importante quanto a segurança.
Outro elemento explosivo emergiu recentemente na cena americana: a colossal falência da Enron, um dos gigantes do setor energético. A direção da empresa, que cometeu fraudes, mantinha relações íntimas com os Bush e com a Casa Branca. Ela participou da comissão federal, coordenada pelo vice-presidente Dick Cheney, destinada a elaborar o programa energético governamental.
Cheney, com apoio de Bush, recusa-se a divulgar as minutas das reuniões dessa comissão, cujo relatório recomenda vastos subsídios públicos para empresas de energia. O caso tem os ingredientes para evoluir como escândalo de proporções inéditas.
O pensador militar alemão Carl von Clausewitz escreveu, num texto célebre, que “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Colocado diante de opções políticas complexas, Bush escolheu o caminho perigoso da mobilização nacional contra o inimigo externo.
A economia ficou em segundo plano e a Enron foi varrida para baixo do tapete. O presidente reafirmou o estado de guerra, apostando no aprofundamento da unidade nacional. Nesse diapasão, abriu a segunda etapa da “guerra contra o terror”.
O “eixo do mal” materializa uma expansão do conceito da “guerra contra o terror”. Agora, o objetivo prioritário não consiste apenas na supressão das organizações terroristas de alcance global e dos Estados que as hospedam ou sustentam. Abrange também a prevenção de hipotéticos ataques de Estados que desenvolvem armas químicas, biológicas ou nucleares. “Não permitiremos que os regimes mais perigosos do mundo nos ameacem com as armas mais destrutivas”, explicou Bush. O Iraque encabeça o “eixo do mal”, mas não tem nenhuma conexão aparente com organizações terroristas.
A capacidade iraquiana de produzir armas de destruição em massa continua precária. Mas Saddam Hussein constitui a memória viva de uma campanha militar inconclusa – a Guerra do Golfo, de 1991 – e, nesse sentido preciso, a prova material dos limites do poder da hiper potência.
O Irã financia, abertamente, o Hezbollah libanês, que só age contra Israel e é encarado por grande parte dos Estados árabes e muçulmanos não como organização terrorista mas como movimento legítimo de resistência à ocupação israelense da Terra Santa. O apoio ao Hezbollah une os pólos conservador e reformista da elite político-religiosa iraniana.
A Coréia do Norte usa o seu programa de mísseis como instrumento de chantagem. Os mísseis apontados para a Coréia do Sul e o Japão têm servido para extrair ajuda econômica ocidental para o regime comunista cambaleante. Um ataque à Coréia do Norte não seria tolerado, no momento, pela China. Aparentemente, o Estado norte-coreano está na lista de alvos de Bush apenas para diversificar o inimigo, de modo a evitar que a “guerra ao terror” seja identificada como uma cruzada cristã contra o mundo muçulmano.
O alvo verdadeiro de Bush, nessa etapa, é o Iraque. A ofensiva não tem data e a estratégia da campanha ainda está sendo formulada. Mas a ofensiva ocorrerá, apesar da resistência que provoca entre os aliados europeus e da franca oposição dos regimes árabes.
Uma operação devastadora contra Saddam provavelmente significaria um golpe profundo na estabilidade dos regimes árabes pró-ocidentais, como o do Egito e o da Jordânia, com repercussões significativas na Arábia Saudita. A decisão de avançar nessa direção estaria, necessariamente, associada a uma ruptura definitiva com a Autoridade Palestina de Yasser Arafat. Ariel Sharon e os falcões de Israel ganhariam, então, a oportunidade de eliminar os resquícios de autonomia palestina na Cisjordânia e Gaza. Mas isso só pode ser feito através de um banho de sangue.
Boletim Mundo Ano 10 n° 1

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