terça-feira, 1 de março de 2011

ALIANÇA INCOMODA WASHINGTON

Newton Carlos
É complicado cipoal de muitas disputas e poucos afagos a história das relações entre Argentina e Brasil. Os argentinos têm uma velha cisma, com raízes no Império, sobre o “caráter expansionista” de um vizinho de proporções territoriais gigantes, ao mesmo tempo em que continuam guardando no fundo da alma sentimentos de superioridade produzidos por um passado de abastança. Rivalidades têm pesado e muito. Depois de figurar entre os 15 países mais ricos do mundo e de chafurdar na “década infame”, a degradação dos anos 30, a partir do golpe militar que sucedeu ao crack da bolsa de Nova York, a Argentina propôs em 1941 a criação de um “bloco austral” e assinou o primeiro tratado comercial com o Brasil.
Um dos colunistas políticos de ponta da Argentina atual, José Maria Pasquini, do jornal Pagina 12, diz que “durante boa parte do século XX, os argentinos foram induzidos a pensar no Brasil como ameaça à sua integridade territorial”. Segundo essas teorias, “a expansão brasileira, apoiada na doutrina das fronteiras móveis, era uma hipótese de conflito para as forças armadas”. Conclui Pasquini: “Mas a transnacionalização da economia, a necessidade de ampliar os mercados internos e a propensão em confiar na mecânica dos mercados estabeleceram a prioridade da integração. A presença simultânea desses fatores levou ao Mercosul.”
O tratado de 1941 ficou no papel. Brasil e Argentina se distanciaram, com o desenvolvimento da Segunda Guerra Mundial. Em 1942, em uma reunião interamericana de consulta, no Rio de Janeiro, o Brasil aderiu aos Aliados, em busca de compensações materiais; a Argentina adotou neutralidade ambígua, com forte cheiro nazista.
É muito bem observado que a Guerra Fria, em suas primeiras refregas, foi fator de unidade do bloco ocidental e de divisão entre nós, com o peronismo argentino insistindo no neutralismo.
Dividir para governar
A diplomacia dos Estados Unidos, disposta a isolar o presidente Juan Domingo Perón, fazia o seu jogo de divisão, disposta a manter separados os dois mais importantes países sul-americanos. As tentativas de Perón de “furar” o cerco reacenderam nos argentinos a idéia da união. Em março de 1953, Perón escreveu a Getúlio Vargas dizendo que “é necessário juntar nossas forças diante do futuro incerto”. Vargas respondeu lamentando “dificuldades que impediam o início de entendimentos”. Em fevereiro de 1954, seis meses antes do suicídio de Vargas, o embaixador americano no Brasil “filtrou” para os jornais documento secreto de seu governo “analisando” os riscos de uma aliança argentino-brasileira anti-Washington, para as democracias da América Latina.
Em setembro daquele ano, Perón caiu. A Argentina ainda dispunha de restos da riqueza passada. Tinha 42% do total das ferrovias sul-americanas, consumia a metade do petróleo e rodavam em suas cidades e estradas 55% dos automóveis.
Perón ofereceu a Vargas, de lambuja, 1,5 milhão de toneladas de trigo. Os EUA contaram com aliados “internos” valiosos, entre militares e diplomatas, para bloquear qualquer eventual possibilidade de aliança Brasil/Argentina.
Com a chegada ao poder de Juscelino Kubitschek, no Brasil, e de Arturo Frondizi, na Argentina, abriu-se um pequeno espaço de unidade. Kubitschek lançou a Operação Pan americana, ensaio de independência em diplomacia.
“É preciso criar algo mais profundo e mais duradouro em favor do nosso destino comum”, disse em carta a Eisenhower, na época presidente dos Estados Unidos. A pobreza como inimigo maior, não o comunismo. Em carta a Frondizi, o presidente brasileiro adotou como “causa” as melhorias das condições de vida de “todas as zonas subdesenvolvidas da nossa comunidade”. Coube a Jânio Quadros avançar no terreno ainda virgem da diplomacia independente.
Em sua primeira e única mensagem ao Congresso Nacional, Jânio pregou a “neutralização do conflito ideológico”. Depois, encontrou com Frondizi em Uruguaiana, numa reunião “impregnada de fantasias de independência”, como registrou um jornalista. A Declaração de Uruguaiana acabou se perdendo em golpes e ditaduras, mas ficou como um marco.
O governo de José Sarney, a partir da redemocratização do Brasil, em 1985, definiu como prioridade uma diplomacia voltada para a América Latina, sobretudo a Argentina, com a qual foram assinados dez protocolos de co-operação. Foi a abertura de um processo de integração que daria no Mercosul, no Tratado de Assunção de 1991. Quais os marcos de maior peso: Uruguaiana ou os protocolos?
Uruguaiana, segundo a historiadora Mônica Hirst, é mais importante por seu valor simbólico. Nada aconteceu depois, “porque a história dos dois países não permitiu”.
Já os protocolos abriram o processo que dura até hoje. Aos trancos, que se tornaram mais fortes com os “desequilíbrios” provocados pela desvalorização do real.
Empresas se deslocam da Argentina para o Brasil, à procura de custos mais baixos, motivo de reações iradas por parte de argentinos, que amargam enorme desemprego.
Esse quadro não acabaria inundado pelo reaparecimento das rivalidades históricas? O Mercosul resistirá? O economista Roberto Lavagna, novo representante da Argentina na Organização Mundial de Comércio, avisa que “é preciso separar questões específicas de uma estratégia global”.
Isso leva a outra pergunta: é possível uma aliança estratégica entre Brasil e Argentina?
Caminhos separados
Em relação à Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Brasil e Argentina tomaram rumos diferentes. O ex-presidente argentino Carlos Menem, cultor de “relações carnais” com Washington, não se entendeu com a estratégia brasileira de primeiro consolidar um bloco sul-americano, como contrapeso aos EUA na futura Alca. A historiadora Mônica Hirst não acredita em tal tipo de aliança enquanto não houver maior convergência entre as políticas externa e de segurança dos dois países. O jornalista Pasquini observa, no entanto, que o Mercosul tornou-se indispensável para o comércio exterior da Argentina.
“Dois terços das nossas exportações, sobretudo de matérias-primas, seguiam para o Brasil”, diz Pasquini. “A desvalorização do real e, agora, a agressiva oferta de generosos subsídios para que empresas se transfiram da Argentina para o Brasil, instalaram um clima de hostilidade nas relações bilaterais. Os industriais argentinos reclamam proteção estatal. Mas o presidente Fernando de la Rua, a exemplo de seus antecessores Carlos Menem e Raul Alfonsín, insistiu diante do Congresso em que o Mercosul continua sendo opção e s t r a t é g i c a para o futuro nacional.”
Boletim Mundo Ano 8 n° 2

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