sábado, 19 de março de 2011

PALESTINA OCUPADA É PRISÃO COLETIVA

Paulo Daniel Farah
A passeata misturava preces, hinos nacionalistas e apelos pacifistas nas ruas de aldeias palestinas devastadas na Cisjordânia. Cerca de 4 mil pessoas, segundo a polícia, participavam daquela vigília pela paz que saiu de Beit Sahour, nos arredores de Belém, e tentou prosseguir para Jerusalém.
Cidade natal de Jesus Cristo, Belém depende economicamente do turismo para sobreviver. Dias antes da passeata, um hospital havia sido atacado e os dois maiores hotéis da cidade, incluindo o tradicional Paradise, completamente devastados. Soldados pulavam nas camas e quebravam o que podiam, segundo testemunhas, antes dos disparos de tanques. Diante do Paradise, a marcha tomou um novo rumo. “Vamos a Jerusalém”, anunciou um dos organizadores. “Hoje, vamos levar uma mensagem de paz a essa terra tão sagrada e tão castigada.”
A distância que separa Belém de Jerusalém não ultrapassa 10 quilômetros, mas a liberdade de movimento é um conceito cada vez mais abstrato para os palestinos. A grande maioria nunca pôde ir da Faixa deGaza à Cisjordânia ou vice-versa. A princípio, um tanque parecia um obstáculo transponível .  Mas, rapidamente, o exército israelense fechou a estrada com 14 tanques e veículos blindados. Portando metralhadoras, soldados disseram que a entrada de Belém acabara de ser declarada uma área militar e que, portanto, filmagens e fotografias eram proibidas.
No retorno a Belém, discursos e canções prometiam novos atos. “A frustração com a dominação militar só cresce, e evidentemente isso acirra os extremismos”, afirmou o palestino Firas, 22, estudante na Universidade de Belém. Na Praça da Manjedoura, diante do local que abrigava um quartel israelense de tortura e foi transformado em um centro pela paz, o mecânico Mahmoud, 19, recordava-se dos maus-tratos a que foi submetido ainda criança. “Quando começamos a sonhar, tudo parece um pesadelo novamente.”
Um ano e meio após o início da intifada, o levante contra a ocupação israelense já contabiliza ao menos 1.150 palestinos e 350 israelenses mortos. Toda a infra-estrutura de cidades e vilarejos palestinos foi arrasada, e importantes  símbolos da construção da independência foram destruídos: o aeroporto e o porto de Gaza, a rede de telefonia, rádio e televisão de boa parte das cidades palestinas e a liberdade de movimentação. Muitas estradas da Cisjordânia e de Gaza são de uso exclusivo de israelenses. Para percorrer o trajeto de 100 quilômetros entre Jenin e Hebron, um palestino levaria por volta de duas horas numa época normal. Recentemente, o engenheiro Ahmad Abu Muhammad, 48, se dispôs a enfrentar o desafio e precisou de pouco mais de 13 horas para a odisséia. Além de 26 postos militares de controle permanentes, teve de passar por postos “surpresa” e trincheiras cavadas na estrada para impedir o trânsito de carros, com longos trechos percorridos a pé.
Em toda a Cisjordânia, a situação é semelhante.
Os postos de controle se multiplicaram em progressão geométrica nos últimos meses. O único rosto israelense que a maior parte dos palestinos na Cisjordânia vê é o do colono ou o do soldado, que raramente fala árabe ou está disposto a ouvir por quê alguém precisa chegar ao outro lado. É difícil saber quantas crianças nasceram a caminho do próximo posto. Segundo a ONU, nascimentos em casa cresceram 26% porque as mulheres não conseguem ir a hospitais.
Nas aldeias ao norte de Ramallah, frutas e verduras são descarregadas antes do bloqueio israelense.
Os palestinos as levam à entrada da aldeia para colocá-las em um caminhão.
Motorista de caminhão, Wafi Hait diz que, às vezes, soldados o obrigam a parar e jogar fora a carga. Desde 1967, a situação nos territórios palestinos nunca foi tão precária. O desemprego chega a 70% em algumas áreas, ao menos metade da população vive abaixo da linha da pobreza e centenas de vilarejos estão em situação de emergência.
Em Hebron, cidade sob controle da ANP onde vivem 400 judeus (protegidos por mais de 2 mil soldados israelenses), em meio a pelo menos 130 mil palestinos, a tensão é cada vez maior e o toque de recolher é bastante comum.
Lojas do bairro de Al Salam (paz, em árabe) ainda apresentam marcas de ataques de mísseis israelenses. “Não viemos da Rússia ou da Romênia. Esta é nossa terra, de nossos pais e avós. Os colonos não vão conseguir nos expulsar. A intifada precisa continuar até a independência, até a última gota de sangue palestino”, diz o comerciante Abu Aisha, 37, pai de oito filhos.
Nos últimos meses, dezenas de novos assentamentos foram construídos  com o apoio de subsídios e soldados, apesar de isso contrariar a Quarta Convenção de Genebra.
Desde a assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993, a população de colonos mais que duplicou nos territórios ocupados.
Contornar essas fortificações significa levar várias horas a mais para percorrer qualquer trajeto dentro da Cisjordânia ou de Gaza. A praia de Gaza se tornou uma estrada alternativa devido aos bloqueios e às colônias. As pessoas caminham vários quilômetros para evitar postos militares. A Cisjordânia hoje está dividida em pelo menos 220 “bantustões”. “Não podemos usar nem mesmo nossas ruas.
Que soberania é esta sem luz, água e caminho livre?”, pergunta Abd al Fattah, morador palestino de Ramallah.
Boletim Mundo Ano 10 n° 2

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