sexta-feira, 18 de março de 2011

NOSSO GEÓGRAFO NA SÃO SILVESTRE

Nelson Bacic Olic
Ufa, consegui! Depois de uma hora e cinqüenta e um minutos terminei a Corrida de São Silvestre. Sou um super-homem! Afinal de contas, com cinqüenta e poucos anos e alguns (muitos) quilinhos acima do peso ideal, é quase uma façanha.
Deixando de lado esta inequívoca demonstração de narcisismo explícito, o objetivo desse texto é evidenciar alguns aspectos do sítio urbano da cidade de São Paulo, sob a perspectiva do trajeto da Corrida de São Silvestre.
O sítio urbano é o “chão” que “sustenta” a cidade.
O sítio urbano de São Paulo ergue-se sobre uma bacia cujos sedimentos datam do período Terciário e estão dispostos sobre um embasamento cristalino cuja origem remonta ao Pré-Cambriano. Esse embasamento cristalino é o arcabouço geológico das áreas planálticas que configuram as terras altas do Sudeste.
A bacia sedimentar de São Paulo estende-se por cerca de 40 quilômetros de largura e aproximadamente 60 quilômetros de comprimento.  Do  ponto de vista hidrográfico, situa-se no alto vale do rio Tietê, que aí recebe as águas de dois dos mais importantes cursos fluviais que cruzam a aglomeração metropolitana: os rios Pinheiros e Tamanduateí.
Do ponto de visa topográfico, a maioria dos terrenos situa-se entre as cotas de 720 e 820 metros.
A bacia está cercada por áreas mais elevadas, representadas, por exemplo, pelas serras do Mar (sul) e Cantareira (norte), no interior das quais vários pontos ultrapassam a altitude de 1.000 metros. Estas duas elevações funcionaram, até certo ponto, como obstáculos para uma expansão maior da mancha urbana, tanto para o norte como para o sul.
O conjunto de aspectos morfológicos e altimétricos contribuíram para acentuar as tendências gerais da própria economia urbana, que determinaram um crescimento vertical denso na porção central da bacia e uma expansão de caráter horizontal nas partes periféricas. Essa expansão horizontal, em vários trechos, avançou sobre as áreas cristalinas mais acidentadas.
As características do relevo têm contribuído também para acentuar certos fenômenos tipicamente urbanos, como a ilha de calor, a concentração de poluentes e a inversão térmica.
No trajeto de 15 quilômetros da São Silvestre, percorrem-se trechos que, do ponto de vista altimétrico, variam entre 816 metros (saída e chegada) e 720 metros (por volta do quilômetro 10). Ao longo do trajeto, percorrem-se trechos do centro da cidade (portanto, do sítio urbano original) e de vários bairros circundantes, como os de Cerqueira César, Perdizes, Barra Funda e Bela Vista.
Os corredores podem observar, ao longo de todo o trajeto, que o uso do solo caracteriza-se pelo predomínio de edifícios e pela presença de áreas mínimas de cobertura vegetal.
Esse padrão de ocupação do solo só se modifica um pouco entre os quilômetros sete e dez do trajeto, especialmente nos bairros de Perdizes e Barra Funda. Aí, a verticalização é menos intensa e os edifícios apresentam-se intercalados por casas térreas e sobrados.
A partida e a chegada são na Avenida Paulista, na cota de 816 metros. Essa avenida, o principal cartão de visita de São Paulo, situa-se num espigão onde estão os pontos mais elevados da cidade. Na verdade, a maior altitude do município é o Pico do Jaraguá, com 1.127 m, que pode ser visto de vários pontos da cidade, inclusive da própria Paulista. Este acidente do relevo corresponde a uma intrusão quartzítica que, por ação da erosão diferencial – o quartzito é mais resistente que os granitos e gnaisses existentes à sua volta – apresenta formas pontiagudas, bem diferenciadas dos morros menores e arredondados que o emolduram.
A Avenida Paulista abrigou, a partir do início do século XX, uma série de palacetes dos “barões do café”, que buscavam tranqüilidade e distância do burburinho do centro original. Devido ao crescimento urbano caótico e à ausência de uma política mais firme de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico, quase todos os palacetes foram demolidos para dar lugar a edifícios que atualmente abrigam bancos, cinemas, sedes empresariais, escolas, restaurantes. Parte significativa do centro financeiro, que funcionava no centro original da cidade até a década de 60, deslocou-se gradativamente para a “mais paulista das avenidas”.
Depois do primeiro quilômetro do trajeto, os corredores deixam a Paulista e descem a Rua da Consolação.
Este eixo viário apresenta uma expressiva variedade de estabelecimentos comerciais e de serviços. Os primeiros quarteirões configuram uma aglomeração de varejo de lustres e iluminação. As aglomerações comerciais especializadas são fenômenos típicos das grandes cidades.
Depois de cerca de 3,5 quilômetros de trajeto, os corredores deixam a Consolação e passam a percorrer a Avenida Ipiranga e a Praça da República. Esses logradouros fazem parte daquilo que se denominou de “centro novo”, por oposição “centro velho”, nas imediações do Pátio do Colégio, onde a cidade foi fundada pelo Padre Anchieta, em janeiro de 1554.
Depois, os corredores deixam a Ipiranga e entram na Avenida São João, passando pela esquina imortalizada por Caetano Veloso em “Sampa”.
Então, tomam a direção oeste, atravessam vários bairros e voltam, já entre os quilômetros 10 e 11, ao centro original e à cota altimétrica mais baixa de todo o trajeto (720 m). Nesse ponto, cruzam o Viaduto do Chá e entram no “centro velho”, onde passam pelo Largo de São Francisco, que abriga a centenária Faculdade de Direito. O Viaduto do Chá, construído nos primórdios do século XX para ligar o “centro velho” ao “centro novo”, representou na sua época uma ousada obra de engenharia e separou os bairros ricos e altos, no oeste, dos bairros populares, nas várzeas alagadiças do leste.
Na parte final do trajeto, os “sobreviventes” enfrentam, por quase três quilômetros, a temível “subida da Brigadeiro” e alcançam novamente a Paulista.
Vencido o último grande obstáculo, negócio é partir para os abraços, receber a merecida medalha e, com ela, o direito de contar para os amigos que quase arrebatei a vitória dos quenianos.
Boletim Mundo Ano 10 n° 1

Nenhum comentário:

Postar um comentário