quarta-feira, 9 de março de 2011

UMA NOVA DIVISÃO REGIONAL PARA O BRASIL?

Demétrio Magnoli
O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Esse é o título da obra recém publicada de Milton Santos e María Laura Silveira. Milton Santos, o mais importante geógrafo brasileiro, desenvolveu, em A natureza do espaço (Hucitec, 1996), o conceito de meio técnico-científico-informacional.
Na sua nova obra, o conceito desdobra-se na análise do território brasileiro e conduz à proposta de mudança da divisão regional do país.
O meio técnico é um produto da era industrial. Caracteriza-se pela “emergência do espaço mecanizado”, ou seja, por sistemas técnicos que se sobrepõem ao meio natural.
A imagem das regiões industriais européias e das redes ferroviárias que as conectam às minas de carvão ajuda a delinear o conceito.
O meio técnico-científico-informacional é “a expressão geográfica da globalização”. As redes de informação difundem-se, desigualmente, para o mundo inteiro. O “mundo artificial” rompe os limites das cidades e passa a abarcar o meio rural. “Cria-se um verdadeiro tecnocosmo, uma situação em que a natureza natural, onde ela ainda existe, tende a recuar, às vezes brutalmente”.
A imagem de cabos de fibra óptica, ancorados no leito oceânico ou enterrados sob os canteiros das rodovias proporciona uma primeira aproximação do conceito.
Na era da revolução tecno-científica, os territórios são reestruturados pelas infra-estruturas que sustentam redes de informação e passam a desempenhar novas funções na economia de fluxos globalizada. O ingresso do Brasil na era da informação impulsiona uma atualização do seu território. A nova regionalização proposta destina-se a captar a transformação em curso.
A sedução da síntese
A divisão regional é a síntese de um discurso. A atual divisão oficial, elaborada pelo IBGE em 1969 e adaptada aos desmembramentos de estados posteriores, reflete as percepções sobre a industrialização acelerada do pós-guerra .
Esse processo aprofundava as desigualdades regionais e concentrava meios de produção e infra-estruturas de circulação nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O Espírito Santo, através dos terminais portuários, anexava-se ao espaço siderúrgico mineiro.
O Sudeste, sob o comando de São Paulo, emergia como pólo industrial nacional.
O Sul aprofundava a sua vocação agrícola, assentada na estrutura fundiária gerada pela imigração européia do século XIX. O Nordeste vergava-se sob longa estagnação econômica, traduzida nos fluxos de migrantes que se dirigiam para as metrópoles industriais. O Centro-Oeste e a Amazônia apareciam como vastos “desertos humanos”, abertos à expansão do povoamento.
Em 1967, enquanto o IBGE conduzia os estudos que resultaram na regionalização oficial, o geógrafo Pedro Pinchas Geiger lançava a proposta da divisão do território nacional em três complexos regionais .
Atrás da proposta, erguia-se o vulto de Brasília, inaugurada em 1960.
O Centro-Sul delineava o Brasil moderno, gerado pela conexão do pólo do Sudeste com o Sul e a porção meridional do Centro-Oeste. O Nordeste materializava a inércia de um espaço ancorado ainda nas estruturas sociais do passado.
A Amazônia abria-se como fronteira demográfica e de recursos.
A divisão em complexos regionais ignorou os limites das unidades da federação.
Dessa forma, conseguiu captar o impacto espacial do planejamento regional e territorial. O norte de Minas Gerais, abrangido na área de atuação da Sudene, foi incorporado ao complexo nordestino. O oeste do Maranhão e o norte de Mato Grosso e Goiás (atual Tocantins), abrangidos na área de atuação da Sudam, foram incorporados ao complexo amazônico.
Nem cinco, nem três; quatro “brasis”. A regionalização sugerida por Milton Santos e María Laura Silveira pretende registrar a “difusão diferencial do meio técnico-científico- informacional” .
A idéia de Região Concentrada não é nova. O próprio Milton Santos, junto com Ana Clara Torres Ribeiro, sugeriu o uso da denominação em 1979. A novidade está na elucidação do conceito pela sua conexão com a implantação das infra-estruturas e das redes de informação que veiculam a revolução tecno-científica.
A Região Concentrada caracteriza-se pela densidade do sistema de relações que intensifica os fluxos de mercadorias, capitais e informações.
Seu núcleo é a metrópole paulista, que desempenha funções de cidade global e reforça o comando sobre o território nacional. A soldagem do Sul ao Sudeste reflete a descentralização industrial recente e a implantação de infra-estruturas técnicas que a sustentam.
O Centro-Oeste emerge como área de ocupação periférica, fundada na especialização agropecuária e na modernização subordinada às necessidades das firmas que têm sede na Região Concentrada. O estado de Tocantins, estranhamente deslocado para a Região Norte pela Constituição de 1988, reincorpora-se ao Centro-Oeste.
O Nordeste define-se pelo peso das heranças: “é uma área de povoamento antigo, onde a constituição do meio mecanizado se deu de forma pontual e pouco densa”. A rugosidade do espaço geográfico retarda os fluxos. A instalação das infra-estruturas e redes informacionais realiza-se de modo descontínuo, “sobre um quadro sócio-espacial praticamente engessado”.
A Amazônia caracteriza-se pela rarefação demográfica e baixa densidade técnica. Os sistemas informacionais aparecem como formas externas, representadas, por exemplo, pelos satélites e radares do Sivam. Os grandes projetos estruturam enclaves, isolados num meio pré-mecânico. O Maranhão, conectado ao Projeto dos Pólos de Alumínio, poderia ser incluído na Amazônia, mas misteriosamente os autores preferiram conservá-lo no Nordeste.
A nova proposta de divisão regional é uma síntese sedutora de um discurso geográfico sobre o Brasil e a globalização. Seu ponto de partida é o anacronismo dos discursos elaborados há mais de três décadas.
Vale a pena prosseguir o debate.
Boletim Mundo Ano 9 n° 3

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