quarta-feira, 9 de março de 2011

UM NOVO BARRIL DE PÓLVORA

Projeto da “Grande Albânia” desestabiliza a Macedônia
Guerra sem fim. Dois anos após o conflito em Kosovo, a Península Balcânica volta a ser palco de novas cenas de violência. Desta vez, o rastilho de pólvora da confrontação étnica atingiu a Macedônia, uma das cinco repúblicas emanadas da desintegração da antiga Iugoslávia. A crise atual é um desdobramento do conflito aparentemente terminado em Kosovo em junho de 1999. Essa ligação é direta, já que afeta a minoria de origem albanesa residente tanto na Sérvia (a república que, juntamente com Montenegro, forma a atual Iugoslávia), como na Macedônia. A raiz da crise é o projeto de uma “Grande Albânia”.
Os albaneses étnicos representam cerca de 80% da população de Kosovo, que continua a pertencer formalmente à Sérvia, e cerca de um quarto da população da Macedônia. Na Macedônia, os albaneses étnicos concentram-se no norte e oeste do território, onde constituem expressiva maioria. Assim, formam um cinturão étnico adjacente às fronteiras da Albânia .
O principal sustentáculo militar dos guerrilheiros albaneses que atuam na Macedônia são os grupos extremistas albaneses de Kosovo. Quando terminou o conflito em Kosovo, essa província sérvia tornou-se uma espécie de protetorado militar, controlado por forças européias e norte-americanas e gerido pela ONU através da Missão das Nações Unidas para Kosovo (Minuk).
O objetivo declarado da missão da ONU consistia em promover a autonomia política e administrativa no território, criando condições para a convivência entre a majoritária comunidade albanesa e a minoria sérvia.
Desde o início, todavia, ficou claro que o esquema montado esbarrava em dificuldade aparentemente insolúvel.
A longo prazo, como conciliar a soberania sérvia com a exigência de independência da maioria populacional de origem albanesa?
A guerrilha albanesa que enfrentou os sérvios em Kosovo, não se dissolveu. Essa guerrilha, o Exército de Libertação de Kosovo (ELK), mascarado sob estruturas partidárias legais, continua a alimentar o sonho da criação de uma “Grande Albânia”. O ELK é financiado por grupos políticos estabelecidos na própria Albânia e mantém uma rede difusa de vínculos com o florescente negócio do tráfico de drogas na região. Em março, as antigas tensões étnicas na Macedônia degeneraram em conflito aberto. Um novo agrupamento guerrilheiro, o Exército de Libertação Nacional da Macedônia (ELNM), sustentado pelo ELK, passou a enfrentar forças do exército e da polícia da Macedônia.
Um tabuleiro complicado
O protetorado internacional deveria ter estabilizado Kosovo. Mas, ironicamente, aconteceu o oposto: Kosovo tornou-se fonte de crescente instabilidade em toda a região. Antes de atingir a Macedônia, o rastilho Exército de confrontação étnica manifestou-se na “terra de ninguém” que separa a Sérvia de Kosovo. Ali, outra organização guerrilheira, intitulada Exército de Libertação de Presevo-Medvedja e Bujanovac, sinalizou a sua existência praticando atentados contra alvos sérvios. Presevo, Medvedja e Bujanovac são três cidades da Sérvia situadas nas proximidades de Kosovo e habitadas por expressivo contingente de albaneses étnicos .
O projeto da “Grande Albânia” desenvolve-se em condições políticas novas. Na Iugoslávia, a derrubada do líder nacionalista sérvio Slobodan Milosevic o idealizador das “limpezas étnicas” conduzidas na Bósnia e em Kosovo  dissolveu o sonho autoritário da “Grande Sérvia”. Milosevic está preso e o novo governo iugoslavo discute a possibilidade de entregá-lo ao tribunal internacional instalado para julgar os crimes da Guerra da Bósnia (1992-95).
Na Macedônia, não há registros de perseguições oficiais contra os albaneses étnicos, que desfrutam do estatuto de minoria reconhecida. Os albaneses da Macedônia organizam-se em partidos políticos legais e dispõem de jornais e rádios independentes. A língua albanesa faz parte dos currículos escolares. Nos últimos tempos, a região onde os albaneses são majoritários vem prosperando a tal ponto que Tetovo, principal núcleo urbano do noroeste da Macedônia e palco dos conflitos recentes, tornou-se a cidade mais rica de todo o país.
Todavia, há ressentimentos, ancorados nas relações sociais e na discriminação cotidiana. Durante muito tempo, a minoria albanesa, ao lado dos ciganos, ou roms, formou a base da pirâmide social na Macedônia. Esses ressentimentos, que alimentam e estimulam os grupos guerrilheiros, funcionam como pretextos para o projeto da “Grande Albânia”.
A Macedônia é um pequeno país com cerca de 2,2 milhões de habitantes. Mas a geografia a torna um pilar vital para a estabilidade regional. Ao sul, encontra-se a Grécia, que não esconde o temor provocado pelas guerrilhas conduzidas por albaneses étnicos, que são muçulmanos. A Turquia, vizinha da Grécia, por sua vez, seria praticamente forçada a apoiar os muçulmanos albaneses em caso de expansão do conflito. Grécia e Turquia, ambas integrantes da OTAN, funcionam como guardiãs do Mediterrâneo oriental. A hipótese do envolvimento dos dois países em lados opostos do conflito étnico balcânico representa um pesadelo para Washington e para os aliados europeus.
Boletim Mundo Ano 9 n° 3

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