A guerra fiscal dá resultados a curto prazo. Depois, o feitiço volta-se contra o feiticeiro
No Brasil, a guerra fiscal entre Estados teve uma fase útil. Vários governadores abandonaram a cultura da mendicância de verbas pela cultura do investimento privado, gerador de receitas futuras. Hoje a guerra fiscal se agravou tanto que ameaça a estabilidade do pacto federativo. (Roberto Campos, “O sumiço do contribuinte”, Folha de S. Paulo, 13/2/2000)
Ninguém sabe ao certo quantos e quais benefícios, subsídios, créditos favorecidos e outras condições estão sendo oferecidos atualmente por governadores e prefeitos em todo o Brasil para atrair investimentos. Cálculos parciais indicam um total de R$ 39 bilhões em benefícios, contabilizados apenas os programas de atração de investimentos de oito unidades da Federação. Segundo esse estudo, publicado no jornal Folha de S. Paulo, teriam sido atraídas 3 340 empresas, gerando 522 mil novos empregos.
A lógica desse tipo de política é bastante simples e aparentemente justificada: o governo abre mão de impostos ou gasta recursos para atrair empresas que vão gerar empregos. Esses trabalhadores pagarão impostos, vão consumir e atrair novas empresas que também pagarão impostos e elas mesmas, supostamente, depois de um período de benefícios, começarão a pagar impostos.
Em tese, o governo arrecada menos a curto prazo, mas cria condições para arrecadar mais a longo prazo. O problema é saber onde está o ponto de equilíbrio. Até hoje, nenhum governador ou prefeito apresentou dados ou cálculos convincentes a respeito. E o que é pior: quanto mais governadores e prefeitos oferecem esses tipos de benefícios, mais difícil fica, para cada empresa, escolher o local onde vai se instalar. O feitiço pode virar contra o feiticeiro: quando praticamente todos os estados oferecem regalias semelhantes, os empresários começam a prestar atenção em outros fatores, tais como infra-estrutura, acesso a recursos humanos qualificados e proximidade de mercados consumidores suficientemente grandes.
Há outro perigo. Na medida em que se generalizam os benefícios e os governos abrem mão de impostos, esperando o dia em que a arrecadação venha a aumentar, é inevitável sobrar menos dinheiro para saúde, infra-estrutura, segurança, educação. Contudo, esses são alguns dos fatores mais importantes numa decisão empresarial a longo prazo. Colocar uma fábrica numa região que não conta com esses recursos e cujo governo não tem condições de investir (porque transfere seus recursos para o setor privado) pode ser uma decisão lucrativa a curto prazo, mas duvidosa a longo prazo.
Pacto federativo
Os cientistas políticos usam a expressão “pacto federativo” para designar o acordo implícito à existência de uma república organizada com relativa autonomia política estadual. Esse acordo exige o reconhecimento de um poder central, de um interesse nacional que se sobrepõe às prioridades de cada unidade federada. Quando os programas regionais de subsídios fiscais a empresas saem do controle, no entanto, o interesse nacional fica muito difuso. É uma guerra de todos contra todos e nada garante que as desigualdades regionais venham a diminuir ao longo do tempo.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), tem ocorrido uma reconcentração da economia brasileira em direção à região Centro-Sul. Ou seja, a guerra fiscal não apenas é uma ameaça ao pacto federativo como acaba por agravar o problema que, segundo seus defensores, ela deveria resolver .
Os dados do IPEA revelam que a maioria dos estados que adotaram políticas de benefícios fiscais perderam participação na riqueza nacional entre 1985 e 1998. Entre os perdedores estão Bahia, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No mesmo período, o Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo aumentaram suas participações no PIB. Para os técnicos do governo federal, a curto prazo, o Estado que deflagra a guerra fiscal se beneficia, mas, depois, a generalização do conflito faz com que os ganhos iniciais desapareçam.
Para negociar o fim da guerra é preciso fazer uma reforma tributária; uma completa mudança de todas as leis que disciplinam a cobrança de impostos no país. Há vários projetos em debate no Congresso Nacional.
Um dos projetos prevê simplesmente o fim do ICMS, ou seja, a destruição de uma das armas que estão sob controle dos governos estaduais. Seria criado um novo imposto, cobrado no lugar onde os produtos são consumidos (e não nos locais onde ocorre a produção). A distribuição de renda se tornaria, então, mais importante (para aumentar o tamanho dos mercados consumidores) que a isenção de impostos para quem produz. Esse imposto teria uma alíquota única em todo o país.
Boletim Mundo Ano 8 n° 2
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