terça-feira, 1 de março de 2011

TIROS PARA TODO LADO

Em 1907, existiam 3 258 estabelecimentos industriais no Brasil, dos quais 531 estavam Minas Gerais.
São Paulo tinha apenas 362. À frente de Minas Gerais, havia apenas o antigo Distrito Federal, que era a cidade do Rio de Janeiro e seus arredores, com 670 fábricas.
O Rio Grande do Sul, com 314, não estava longe de São Paulo. Juntos, os estados do Nordeste abrigavam 440 fábricas, das quais 118 ficavam em Pernambuco.
Nessa etapa pré-industrial, a concentração regional da riqueza no Sudeste e, em especial, no estado de São Paulo, dava seus primeiros passos. O panorama industrial, avaliado pelo pessoal ocupado e pelo valor da produção, revelava a tendência.
Segundo esses critérios, São Paulo assumia o segundo lugar, com 16% da força de trabalho e da produção, perdendo apenas para o Distrito Federal, com 23% e 30%, respectivamente. Em Minas Gerais, o número médio de operários por fábrica era de 18, contra 74 em São Paulo; em média, cada fábrica produzia 62 contos de réis anuais, contra 362 em São Paulo. Minas Gerais era o reino da pequena indústria doméstica, espalhada por todo o interior.
Mas não havia ainda um verdadeiro mercado nacional integrado e essa ausência assegurava a sobrevivência de indústrias voltadas para os mercados regionais. As fábricas de Pernambuco tinham, em média, 102 operários e produziam 468 contos anuais. No Nordeste como um todo, a média de trabalhadores por estabelecimento chegava a 87, mais que em São Paulo, e o valor da produção atingia 282 contos. No Rio Grande do Sul, o número médio de operários era de 49 e a produção era de 318 contos.
A arrancada industrial brasileira aconteceu na década de 30, associada à Grande Depressão e à crise do modelo exportador de café, e à emergência de uma elite política urbana durante a “era Vargas”. Uma segunda arrancada aconteceu no pós-guerra, associada ao Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1956-61), à atração de empresas transnacionais e aos investimentos estatais em infra-estrutura e na indústria de base.
Essas duas fases de industrialização acelerada corresponderam à criação de um mercado interno unificado.
A construção de uma rede rodoviária nacional contribuiu decisivamente para integrar o país, reduzindo os custos de transportes que protegiam os mercados regionais.
Em conseqüência, a indústria moderna, implantada no Sudeste, estabeleceu sua hegemonia nacional.
O Nordeste, em particular, conheceu uma verdadeira desindustrialização relativa, acompanhada por fluxos crescentes de saída de migrantes que se dirigiam para o Sudeste. De 17% do valor da produção industrial nacional em 1907, o Nordeste caiu para 12% em 1939 e 6% em 1970. O Sul caiu de 20% em 1907 para 13% em 1939, mas depois manteve-se nesse patamar até 1970.
Enquanto isso, o Sudeste saltava de 58% em 1907 para 71% em 1939 e 78% em 1970.
Os caminhos da descentralização
No Brasil, a tendência à concentração espacial da indústria atingiu o seu auge em 1970. Depois, os custos associados às aglomerações tradicionais  expressos em preços dos imóveis, valores dos salários, dispêndios em impostos  tornaram-se elevados, estimulando a dispersão.
A redução dos custos de transportes  e das comunicações convergiram para produzir novas localizações industriais.
A tendência à descentralização manifestou-se fracamente no início, mas intensificou-se depois. A participação do Sudeste e, em especial, a do estado de São Paulo no pessoal ocupado na indústria ilumina o núcleo dessa história .
A guerra fiscal não constitui, portanto, a causa original do processo em curso de dispersão industrial. Ela reforça a tendência, incidindo com força sobre a localização dos tipos e ramos industriais mais beneficiados pelos incentivos concedidos por estados e municípios. A indústria automobilística constitui o exemplo mais claro. A explosão na instalação de novas fábricas na década de 90, por montadoras já  implantadas no Brasil ou por recém-chegadas, reduziu bruscamente a participação relativa de São Paulo no setor.
Uma análise na escala das unidades da federação revela com mais detalhes as direções da dispersão industrial.
O Rio de Janeiro perde participação no pessoal ocupado, em ritmo ainda mais rápido que São Paulo. Mas Minas Gerais amplia a sua participação, bem como os três estados da Região Sul . Todos esses estados, de modos diferentes, engajaram-se a fundo na guerra fiscal.
No Nordeste, cujos estados também jogam todas as suas fichas na guerra fiscal, o panorama é mais complexo.
A participação regional no pessoal ocupado cresceu sensivelmente depois de 1985, mas ultrapassou em pouco a marca de 1975. Entre os três maiores estados da região, em termos econômicos, a única “história de sucesso” é a do Ceará. Pernambuco apenas retornou à marca de 1975; a Bahia, nem isso.
As armas da guerra fiscal parecem muito eficazes quando reforçam tendências anteriores. O crescimento industrial de Minas Gerais e dos estados do Sul é uma “descentralização dentro da concentração”, ou seja, em localizações do Centro-Sul. A maioria das novas fábricas de veículos instaladas recentemente escolheu localizações em Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul ou mesmo no interior de São Paulo e do Rio de Janeiro. Não foram para o ABC paulista, mas escolheram o Centro-Sul.
As vantagens comparativas do Centro-Sul em relação ao Nordeste são conhecidas: proximidade dos principais mercados consumidores, maior qualificação da mão-de-obra, melhores condições de infra-estrutura. Provavelmente, o crescimento industrial desses estados aconteceria no mesmo ritmo caso ninguém usasse as armas da guerra fiscal. A diferença seria que os cofres estaduais receberiam os impostos que foram presenteados às empresas.
Mário Covas, o governador de São Paulo, tornou-se um paladino da guerra à guerra fiscal. Mas, no lugar de criticá-la por seus efeitos sobre as finanças públicas, preferiu enrolar-se na bandeira de defensor do “patrimônio industrial paulista”. Essa identificação entre indústria e desenvolvimento, além de acabar legitimando a própria guerra fiscal, não encontra sustentação na economia real.
Não há, de modo geral, correlação entre a participação dos estados na indústria e a sua parcela do PIB nacional .
A evolução da economia de São Paulo é a melhor prova de que a identificação simplista entre indústria e desenvolvimento é falsa. O estado perde indústrias tradicionais para Minas Gerais, Paraná ou Ceará. Mas recebe a maioria esmagadora dos investimentos em indústrias de alta tecnologia. E, enquanto perde participação na produção industrial, reforça a sua condição de centro financeiro hegemônico no país.
Boletim Mundo Ano 8 n° 2

Nenhum comentário:

Postar um comentário