sábado, 5 de março de 2011

DEPOIS DO PRI, UM NOVO MÉXICO?

Newton Carlos
Um eleitor mexicano confessou, sem remorsos, que pela primeira vez na vida votou na direita. Foi um dos muitos milhões que decretaram a derrota do Partido Revolucionário Institucional (PRI), o Partido-Estado com origem na revolução de 1910, há 71 anos no poder, abrigo de uma burocracia corrupta e de políticos regidos por códigos mafiosos. Vicente Fox, embora candidato do Partido de Ação Nacional (PAN), de origem oligárquica, conseguiu impor-se como o anti-PRI, atraindo uma enxurrada de votos de todos os matizes, com o objetivo imediato e comum de derrubar o PRI.
O resto se discute depois, num outro México. Foi essa a idéia que determinou a migração para a candidatura Fox de intelectuais da esquerda e centro-esquerda, como Jorge Castañeda, que em 1994 trabalhou com Cuauhtémoc Cárdenas, do Partido Revolucionário Democrático (PRD). Por que Castañeda juntou-se a Fox, um “populista de direita”? Depois de fraudado nas eleições de 1988 e de eleger-se prefeito da Cidade do México, Cuauhtémoc, filho de Lázaro Cárdenas, o nacionalizador do petróleo nos anos 30, cuja efígie ainda hoje tira o sono dos americanos, não conseguiu reeditar-se, nem em 1994 e nem agora, como candidato em condições de enfrentar o PRI. Diz-se que por culpa de “modelos ultrapassados” das esquerdas.
Fox, porém, mostrou-se competente na construção de um movimento anti-PRI, ampla frente cuja abrangência resultou num saco de gatos. Única maneira, ao que parece, de derrotar o sistema dominante. Castañeda decidiu juntar-se a ele a partir de uma estratégia de alianças cujo objetivo é abrir “espaços nacionais”, na América Latina, a políticas alternativas ao neoliberalismo. Essa estratégia foi montada por um grupo “supranacional” de intelectuais e políticos. No México, segundo o raciocínio do grupo, a primeira tarefa consistia em ultrapassar o PRI.
Daí, a “estranha aliança” com Fox.
O Consenso de Buenos Aires, documento produzido pelo grupo, manda negociar programas “sem cair em utopias”. Fala da necessidade de “novos paradigmas”, que reabasteçam “os referenciais de esquerda e centro-esquerda” na América Latina. Condena tanto o “fundamentalismo do mercado” como o “desenvolvimento populista e protegido”. O ataque ao neoliberalismo é frontal: não gerou desenvolvimento, nem distribuiu riquezas; os países que se submeteram à lógica financeira internacional especulativa perderam a capacidade de governar-se soberanamente.
A disposição manifestada é de construir outros modelos, com Estados “atuantes” que consigam recursos, através inclusive de privatizações, “para atender aos mais pobres e impulsionar a iniciativa privada”.
Há todo um manual que rejeita o “nacional populismo”, a “estratégia semi-autárquica da substituição de importações e as finanças públicas inflacionárias de governos fracos e mentirosos”. Defende um “Estado forte e democratizado, em condições de democratizar a economia de mercado e enfrentar as desigualdades sociais”. Diz que é preciso fazer com que o centro se volte para a esquerda e não para a direita. Sentencia que a realização de uma alternativa democratizante ao neoliberalismo depende, em muitos países, da substituição da aliança entre centro e direita por uma aliança entre centro e esquerda. Garante que existe um centro que precisa dessa aliança, composto por partidos que expressam a inconformidade da classe média “com a submissão colonial e o domínio oligárquico na América Latina”.
Qual é a esquerda que precisa e pode participar dessa aliança? A que rejeita “os resíduos do antigo nacional-populismo e deixou de ser refém de setores corporativos, os quadros relativamente privilegiados do Estado e das empresas públicas”. O centro precisa encontrar maneiras “de tornar politicamente fecunda a inconformidade da classe média” e a esquerda “precisa distinguir a causa popular e democrática dos interesses corporativos”. O ponto comum e essencial “é o compromisso de reconstruir e financiar um Estado forte, que sustente o projeto rebelde de desenvolvimento nacional” e enfrente as desigualdades sociais. Essas idéias projetaram-se num conjunto de documentos produzidos pelas reuniões de busca de uma alternativa latino-americana ao neoliberalismo.
Uma das premissas é a de que não existe contradição entre uma economia democratizada de mercado e um Estado “forte e enriquecido, capaz de investir em gente e ser parceiro da iniciativa privada, sobretudo das pequenas e médias empresas”. Também “tomamos como nossa a causa da estabilidade monetária”, mas uma estabilidade “reorientada”. É preciso libertá-la “da dependência dos expedientes custosos do câmbio sobrevalorizado, juros altos e arrocho salarial e refundá-la , com ajuste fiscal enriquecedor do Estado”. O discurso convencional do “ajuste fiscal” supõe erradamente “que se possa consolidar a estabilidade à base do empobrecimento do Estado”. Os “ajustes fiscais enriquecedores” podem precisar de “saneamento patrimonial”, o que justificaria privatizações.
A vitória de Fox abriria o primeiro “espaço nacional” a essas idéias, que já repercutem no Brasil e na Argentina.
Mas Fox estará à altura dos anseios dos que se juntaram, independente de credos e ideologias, de direita e esquerda, ungidos pela convicção de que, antes de tudo, era preciso somar forças e derrotar o sistema dominante?
É a pergunta que fica.
Boletim Mundo Ano 8 n° 5

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