Derrota do Kuomintang nas eleições de Taiwan sabota a “política de uma China” de Pequim
Depois de Hong Kong e Macau, Taiwan. Esse programa de unidade nacional da China, acalentado há quase três décadas pelos dirigentes de Pequim, ficou um pouco mais distante após a recente (e histórica) derrota do Kuomintang (KMT) nas eleições em Taiwan.
A viagem do presidente norte-americano Richard Nixon à China, em 1972, assinalou o descongelamento das relações sino-americanas. Duas décadas depois da Guerra da Coréia (1950-53) e uma depois do racha entre China e União Soviética, Washington aproximava-se de Pequim para isolar a URSS. A conseqüência imediata foi a admissão do governo da China no Conselho de Segurança da ONU, em substituição ao de Taiwan. Em 1979, durante o governo de Jimmy Carter, nos EUA, restabeleciam-se as relações diplomáticas com Pequim e rompiam-se as relações com Taipé. O comunicado oficial chinês dizia: “Como todos sabem, o governo da República Popular da China é o único governo legal da China e Taiwan faz parte da China”. Essas palavras concentravam a “política de uma China”, daí em diante acatada pelos Estados Unidos.
Taiwan já era, na época, um sucesso econômico.
Na década de 50, com a reforma agrária, o PIB per capita cresceu a taxas anuais de 3,6%. Na década de 60, a economia voltou-se para as indústrias eletrônica, têxtil, química e petroquímica e a expansão média anual do PIB per capita ultrapassou 6,5%. O isolamento diplomático não impediu a manutenção dessa trajetória. Entre as décadas de 70 e 90, Taiwan firmou-se como economia exportadora e desenvolveu uma vasta base de médias e pequenas indústrias de informática muito competitivas.
De certa forma, o sucesso de Taiwan serviu de modelo para as reformas econômicas da China .
O líder comunista chinês Mao Tsé-tung morreu em 1976. O novo líder, Deng Xiao-ping, concebeu as reformas na economia como meio para a ascensão da China à condição de potência mundial . Esse percurso passava pela conquista da unidade nacional, através da reincorporação dos enclaves coloniais de Hong Kong e Macau e da “província rebelde” de Taiwan.
A tática elaborada para os primeiros “uma nação, dois sistemas”, ou seja, a garantia de autonomia econômica em troca da aceitação da soberania de Pequim deveria servir também para a última.
O roteiro começou a ser perturbado pelas reformas democratizantes conduzidas por Lee Teng-hui, do KMT, em Taiwan desde 1992. Em 1996, Lee conseguiu a reeleição, mas o Partido Democrático Progressista (PDP) firmou-se como oposição erguendo a bandeira da independência.
Esse nacionalismo taiwanês venceu as eleições de março passado, que podem ter representado o encerramento do ciclo histórico do KMT. O novo presidente, Chen Shui-bian, sob pressão de Washington, já não clama pela independência. Mas ele e seu partido traduzem a existência de uma nova Taiwan, que não é mais um mero peão anacrônico do jogo da Guerra Fria.
Um dragão observa o outro
A China abriga cerca de um quinto da população mundial. A população de Taiwan equivale à da aglomeração metropolitana de Xangai, a maior cidade chinesa.
O abismo entre o rico arquipélago e a pobre potência continental funciona como argumento para os defensores da soberania de Taiwan, de um lado do estreito, e como parâmetro para as estratégias de crescimento econômico da China Popular, do outro.
Taiwan é uma sociedade majoritariamente urbana . Na China, dois terços da população habitam o meio rural. Os indicadores vitais e sociais colocam Taiwan próximo aos países desenvolvidos.
Esses indicadores situam a China entre os países subdesenvolvidos de renda média.
O nacionalismo taiwanês
O arquipélago de Taiwan, que separa os mares da China Oriental e da China Meridional, abrange uma ilha principal, a 160Km do continente, e 77 pequenas ilhas. Até o início do século XVII, os aborígenes, de origem malaia e polinésia, tinham contatos esporádicos com mercadores do litoral chinês e piratas chineses e japoneses.
Na década de 1620, Portugal instalou um entreposto efêmero na ilha, que foi batizada com o nome de Formosa.
Depois, espanhóis e holandeses disputaram o seu controle, integrando-a aos circuitos comerciais do oriente. No final do século, a dinastia Qing estabeleceu o domínio chinês sobre Taiwan, abrindo caminho para a colonização.
Atualmente, os descendentes dos habitantes originais perfazem 2% da população da ilha.
No final do século XIX, Taiwan entrou na alça de mira do expansionismo japonês. Em 1895, a derrota dos Qing na Guerra Sino-Japonesa provocou a entrega da ilha ao Japão. Esse domínio perdurou até o fim da Segunda Guerra Mundial, e deixou como herança um nacionalismo taiwanês avesso a qualquer poder estrangeiro. Taiwan não experimentou o regime republicano chinês instalado pelo KMT de Sun Yat-sen em 1912.
No início de 1949, os comunistas tomaram Pequim e Chiang Kai-shek, à frente de um exército desmoralizado, retirou-se para Taiwan. Em Taipé instalou-se a capital da República da China. Durante os primeiros anos, uma repressão feroz esmagou a oposição nacionalista taiwanesa e cimentou a ditadura uni- partidária do KMT. O “Estado no exílio” sobreviveu contando com a proteção da Sétima Frota americana, que passou a patrulhar o Estreito de Taiwan desde a deflagração da Guerra da Coréia. O regime de Taipé foi reconhecido como governo chinês pelas potências ocidentais e pela ONU até a década de 70.
Boletim Mundo Ano 8 n° 3
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