Enquanto Israel prepara a saída do Líbano e um acordo definitivo com os palestinos, o líder sírio Hafez Al Assad faz tudo para transformar a paz em vitória política
O processo de paz no Oriente Médio terá, nos próximos meses, dois momentos decisivos: em julho, o exército israelense deverá retirar-se do sul do Líbano, onde está desde 1982. Para setembro, aguarda-se o acordo de paz definitivo entre israelenses e palestinos.
À primeira vista, tudo indica que a paz nunca esteve tão próxima. Em março, Israel devolveu mais 6,1% da Cisjordânia ao controle palestino; até líderes ultranacionalistas israelenses, como o ex-ministro da Defesa, Ariel Sharon, já admitem a inevitabilidade de um Estado palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Negociações secretas vêm sendo feitas sobre o futuro de Jerusalém um tabu dos grandes, já que a parte árabe da cidade foi anexada por Israel e é reivindicada como capital pelos palestinos.
O progresso é visível até no campo dos símbolos muito importantes numa área que viu nascer três religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
Recentemente, o Ministério da Educação de Israel incluiu as obras do poeta palestino Mahmud Darwish no currículo de Literatura do 2o grau a contrapartida veio com a inclusão de obras de autores israelenses nas escolas palestinas.
Seguindo a lógica, a retirada israelense do território libanês deve abrir as portas para um acordo definitivo com a Síria a pedra de toque para a paz no Oriente Médio, OK? Aí é que as coisas complicam, com a entrada em cena do personagem mais importante (e mais misterioso) da trama – o ditador sírio Hafez Al Assad.
Oficialmente, Al Assad está empenhado no processo de paz – que só não chegaria ao final porque Israel se recusa a retirar suas tropas de todo o Golan, território sírio ocupado em 1967. Na prática, desde o reinício das negociações com Israel, no começo do ano, Al Assad reforçou a ponte aérea de armas iranianas para os guerrilheiros xiitas do Hezbollah, que combatem as tropas de Israel no sul do Líbano. Resultado: o número de soldados israelenses mortos na região aumentou bastante. E o diário Tishreen, alinhadíssimo com o governo sírio, publicou matéria negando que os nazistas tenham massacrado judeus na Segunda Guerra Mundial, para então afirmar que Israel faz coisas “muito piores” contra os palestinos. Um símbolo, é claro, mas escolhido a dedo numa região que exala simbolismo histórico. Em seguida, Al Assad terminou se retirando das negociações de paz, realizadas nos EUA.
Tudo isso quer dizer que o esperto Hafez Al Assad não quer a paz? Talvez signifique exatamente o contrário.
“Al Assad trabalha com seu próprio instrumento de medição de tempo, que freqüentemente é um calendário, não um relógio”, diz o professor americano Kenneth Stein, da Universidade Emory, que está organizando um livro sobre as negociações entre Israel e a Síria, após a Guerra do Yom Kippur, em 1973. Stein lembra que, naquela época, Al Assad prolongou as negociações por um mês, quase levando os israelenses e os mediadores norte-americanos à loucura. “Para ele era importante a recuperação simbólica de algum território perdido em 1967. Começou com a metade do Golan, depois um terço e, finalmente, aceitou alguns metros.”
Se o padrão de comportamento do líder sírio estiver se mantendo, um quarto de século depois, ele está pressionando Israel a realizar o maior número possível de concessões, antes de chegar à paz. O aumento dos ataques do Hezbollah, por exemplo, coloca o primeiro-ministro israelense, Ehud Barak, em posição difícil, já que existe um forte movimento de familiares de soldados, que exigem a saída imediata de Israel do Líbano.
O impasse nas negociações também amplia as divergências dentro do gabinete israelense. Em fevereiro, o rabino Ovadiah Yossef, líder espiritual do partido ultra religioso Shas, comparou o ministro da Educação, o esquerdista Yossi Sarid, ao personagem histórico Haman e chegou bem perto de pedir que seus correligionários o eliminassem. Detalhe: Haman teria sido um primeiro ministro da Pérsia, que viveu há centenas de anos, acusado de tentar expulsar a população judaica do país. Ele é tão odiado pelos judeus, que, na festa de Purim – uma espécie de Carnaval, as crianças comem doces conhecidos como osnei Haman (orelhas de Haman, em hebraico).
Note-se que tanto o Shas como o Meretz, partido do ministro Sarid, fazem parte do mesmo gabinete...
Ganhar tempo
A tática de Hafez Al Assad, de negociar em melhores condições, ganha força devido ao enorme volume de interesses em jogo. Do processo de paz sairá a decisão sobre quem vai controlar as fontes de água do Golan. As colinas do Golan são altíssimas, permitem a quem as controla observar todo o norte de Israel. Quem vai se beneficiar das rendas do turismo e da produção de vinhos de boa qualidade, atividades que Israel desenvolveu no Golan?
Como ficará o equilíbrio econômico na região, já que Israel é uma potência produtiva e tecnológica, e a Síria ainda tem como base a agricultura e a extração mineral?
Quanto os Estados Unidos, eternos mediadores, estarão dispostos a pagar pela paz, na forma de financiamentos a juros generosos?
Enquanto essas questões não são resolvidas, Hafez Al Assad vai ganhando tempo. E, parece, está bem perto de obter uma importante vitória: Israel deverá retirar suas tropas do sul do Líbano de forma unilateral, sem que a Síria dê nada em troca. Talvez esta seja a conquista que o governo sírio está esperando, para engajar-se de vez no processo de paz. Uma paz a prestações, com a cara do Oriente Médio.
Boletim Mundo Ano 8 n° 3
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