quinta-feira, 3 de março de 2011

TRANSIÇÃO CHINESA DESAFIA TEORIAS

Reformas econômicas preservam controles estatais e beneficiam-se dos investimentos de chineses que vivem em outros países.
Socialistas e comunistas sempre definiram o capitalismo como o reino da propriedade privada. Liberais e conservadores optaram sempre por uma definição diferente: sem usar o termo “capitalismo”, preferem falar em “economia de mercado”. O contraponto entre as duas visões, no entanto, nunca foi absoluto: com o tempo, surgiram tentativas de combiná-las tanto na crítica dos sistemas econômicos existentes como na busca de novas formas de organização da sociedade.
A China é o exemplo mais importante dessa busca de uma “terceira via” ao capitalismo e ao comunismo. No início, em 1949, a revolução comunista na China aboliu a propriedade privada. Mas diferentemente de outros movimentos revolucionários em países ocidentais, organizados a partir da classe operária, a vitória comunista na China teve como sustentação um movimento camponês. Com a deflagração da Guerra da Coréia, em 1950, e o agravamento da Guerra Fria, a China alinhou-se à União Soviética.
Na luta pela superação do atraso econômico, os líderes chineses recorreram aos burocratas soviéticos, já que a prioridade era industrializar rapidamente o país.
Foi somente nos anos 70 que a China deu início a uma política de abertura econômica e, desde essa época, a importância do país no comércio cresceu assombrosamente.
Uma decisão crucial foi permitir que empresas ocidentais usassem as chamadas “plataformas de exportação”, desafiando outras economias em rápido desenvolvimento no leste e sudeste da Ásia, como a Coréia do Sul, Cingapura e Malásia. A percepção dos avanços dos chamados “tigres asiáticos”, combinada à visão estratégica de buscar uma aliança com os Estados Unidos para isolar a União Soviética, foram os fatores econômicos e geopolíticos que inauguraram uma fase de profundas transformações na China.
A economia passava a ser um misto de propriedade estatal, e enclaves produzindo sob regime capitalista.
Abriu-se também uma fase de liberalização da propriedade rural, além da ampliação do setor empresarial privado.
As reformas econômicas começaram em 1978. Sob o comando autocrático de Deng Xiao-ping, caracterizaram-se pelo gradualismo, alternando ciclos de avanço acelerado com outros de paralisia. Mas em momento nenhum registrou-se  adesão descontrolada aos princípios da economia de mercado. Entre as marcas da transição chinesa destacam-se o investimento público em setores considerados estratégicos (inclusive do ponto de vista militar) e a permanente negociação de condições para a entrada de capital estrangeiro no país. O grande ativo chinês, um contingente demográfico equivalente a 20% da população mundial, torna a perspectiva de ocupar esse mercado tão atraente, que as empresas ocidentais investem pesadamente no país, mesmo reclamando da precária infra-estrutura, da corrupção burocrática e da insegurança jurídica.
O “socialismo de mercado” chinês tem outras peculiaridades.
Uma é o sucesso da negociação que conduziu à devolução da colônia britânica de Hong Kong. É um curioso paradoxo: o pequeno enclave progrediu ao longo da Guerra Fria como um dos mais importantes núcleos de desenvolvimento industrial, comercial e financeiro na Ásia. A reintegração de Hong Kong em 1997, contudo, acabou por fortalecer ainda mais o sistema chinês, cuja porção capitalista passou a contar, subitamente, com uma das mais competitivas economias do mundo.
A outra peculiaridade é a existência e a dinâmica econômica do que se conhece como “diáspora chinesa”.
Quando a liderança da China optou pela política de portas abertas, no final dos anos 70, os chineses de Taiwan e os chineses étnicos espalhados pelo Sudeste Asiático  que controlam mais de 60% da riqueza de Cingapura e da Malásia e cerca de metade da riqueza da Tailândia e da Indonésia – tornaram-se os principais investidores no continente.
Isso significa que a experiência chinesa parece representar uma das mais surpreendentes formas de superação dos limites tradicionais da “nação”.
Boletim Mundo Ano 8 n° 3

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