quinta-feira, 3 de março de 2011

ECOSSISTEMAS E ETNIAS NO VALE DO NÍGER

Nelson Bacic Olic
O Níger é o terceiro rio mais importante da África, logo após o Nilo e o Congo. Sua bacia hidrográfica, de mais de 1 milhão de Km2, abrange vários países da porção ocidental do continente. A Guiné, o Mali, o Níger e a Nigéria têm seus territórios atravessados pelo rio, enquanto Burkina-Fasso, Costa do Marfim, Benin e Camarões têm pequenas áreas drenadas pelos rios da bacia .
Com quase 4 200km, o Níger atravessa diferentes domínios naturais. Em suas nascentes e alto vale, na Guiné e sudoeste do Mali, o domínio é tipicamente tropical, com ecossistemas de savanas e florestas tropicais. Mais à jusante, em territórios do Níger e do Mali, o rio atravessa o Sahel, faixa de transição entre as savanas e o Deserto do Saara. A palavra sahel significa, em árabe, margem ou borda do deserto. A região natural ultrapassa o vale do Níger e se estende, praticamente sem interrupção, do Oceano Atlântico ao Mar Vermelho, numa largura que varia entre 500km e 700km.
No Sahel é praticamente impossível a prática da agricultura sem o auxílio de irrigação. As chuvas, escassas e irregulares, apenas propiciam o desenvolvimento de uma vegetação natural rala, formada por estepes arbustivas. As características pluviométricas estão na base da fragilidade dos ecossistemas dessa faixa semi-árida. No passado, a economia apoiada no pastoreio transumante evitou a ruptura dos tênues equilíbrios naturais. Mas os índices de crescimento vegetativo dos países da região estão entre os mais altos do mundo. O crescimento demográfico provocou a fixação dos rebanhos e ampliou o uso agrícola dos solos.
Como conseqüência, o deserto vem avançando sobre a porção setentrional do Sahel, enquanto degradam-se as terras das faixas vizinhas mais úmidas, ao sul. É o que vem acontecendo, aceleradamente, na parte setentrional da Nigéria.
No médio e baixo curso, já em território nigeriano, o Níger atravessa áreas cada vez mais úmidas, em ecossistemas de savanas e florestas densas. As florestas, embora venham sendo devastadas pela ação humana, estendem-se até o grande delta, situado junto ao golfo da Guiné.
Três países do vale do Níger  Mali, Níger e Nigéria são palco de rivalidades étnicas que, periodicamente, degeneram em conflitos armados. O Mali e o Níger, países sem acesso ao mar, com extensas áreas desérticas e sahelianas, apresentam padrões de vida entre os mais baixos do mundo. Nos dois casos, as tensões étnicas estão associadas ao tradicional antagonismo entre os camponeses sedentários negro-africanos, que se concentram junto ao vale do Níger (o chamado “Níger útil”), e os grupos islamizados, nômades e semi-nômades, que praticam o pastoreio nas áreas desérticas e do Sahel. Com freqüência registram-se rebeliões entre os tuaregues do deserto, que não só contestam a autoridade dos governos dos dois países, como têm se negado a reconhecer as fronteiras políticas traçadas arbitrariamente pelas potências coloniais européias e mantidas inalteradas após as independências.
A Nigéria merece atenção especial. Essa antiga colônia britânica é o país mais populoso do continente, com cerca de 125 milhões de habitantes. É um dos maiores exportadores mundiais do produto. Desde a independência, em 1960, a Nigéria enfrenta violentas tensões internas, derivadas da fantástica diversidade étnica e da reduzida coesão nacional. Entre as mais de 200 etnias, três destacam-se pelo peso demográfico  juntas, perfazem cerca de 65% da população  e pela importância política das suas elites: os haussa, os ibos e os iorubas.
Os haussa, em grande parte seguidores do islamismo, são majoritários no centro e norte, onde a atividade principal é a cultura do amendoim. Os ibos formam a maioria demográfica no sudeste e leste e professam o cristianismo. Na região dos ibos encontram-se as mais importantes jazidas de petróleo, que responde por cerca de 80% das exportações do país. Os iorubas habitam principalmente o sudoeste e apresentam uma certa diversidade religiosa, com a presença de muçulmanos, cristãos e animistas. A atividade de destaque dessa região é a cultura do cacau.
As disputas intermitentes entre as elites haussa, ibo e ioruba determinam o curso da vida política nigeriana. Os grupos étnicos minoritários comportam-se de acordo com as circunstâncias políticas. Em algumas ocasiões, tiram proveito das rivalidades existentes entre as grandes etnias. Em outras, acabam sendo cooptados por uma delas.
As tensões étnicas descambaram, em 1967, para uma sangrenta guerra civil. A tragédia foi deflagrada por um golpe militar ibo, seguido pela tentativa de centralizar o poder, extinguindo o sistema federalista. O contragolpe haussa desencadeou um massacre de milhares de ibos, no norte. Depois, os ibos rebelaram-se contra a divisão federal do país em 12 estados e declararam a secessão da região oriental de Biafra. O conflito prolongou-se até 1970 e deixou mais de 1,5  milhão de mortos, a grande maioria ibos, vítimas da guerra e da fome. A secessão foi derrotada. Mas o fantasma da implosão étnica continua a rondar a Nigéria.
Boletim Mundo Ano 8 n° 3

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