sábado, 5 de março de 2011

EL CONDOR PASARÁ?

O apoio quase unânime dos Estados sul- americanos aos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial (1939-45), deu início à cooperação entre as Forças Armadas do subcontinente, sempre atrapalhada pela rivalidade entre brasileiros e argentinos. O alinhamento com a Casa Branca, durante a Guerra Fria, sedimentou essa cooperação, com base na luta contra o “inimigo interno”, a oposição de esquerda. A Operação Condor, criada em 1975 por iniciativa da ditadura chilena, originou uma verdadeira organização repressiva continental. E hoje, sepultada a Guerra Fria, o combate ao narcotráfico  prioridade do governo americano  projeta uma nova etapa na articulação das forças de segurança no Cone Sul.
A prisão do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, na Grã-Bretanha, em 1998, “destapou” novas revelações sobre a Operação Condor, permitindo a troca de informações e de “favores” entre repressores sul-americanos.
Mas, na verdade, essa cooperação é bem anterior. Foi gerada nas reuniões militares que deram respaldo à adesão do continente à política mundial de Washington, durante a Segunda Guerra. A Escola das Américas, criada pelos Estados Unidos em 1946, no Panamá, formou gerações inteiras de oficiais brasileiros, argentinos, uruguaios e chilenos, com base na doutrina de segurança nacional.
Em 1965, um ano depois de o Brasil dar origem à série de quarteladas que levaria os militares ao comando de todo o Cone Sul, o então coronel do Exército João Baptista Figueiredo (que depois chegaria à Presidência) enviava um informe à Embaixada do Paraguai sobre a detenção de um núcleo de  supostos guerrilheiros comunistas, no Mato Grosso. Todos foram entregues ao Exército paraguaio.
Troca- troca sangrento
Dez anos mais tarde, o sinistro coronel Manuel Contreras, chefe da temida Dina (a polícia política do Chile), organizou a 1a Reunião de Trabalho de Inteligência Nacional, com representantes das ditaduras de todo o continente. O documento inicial da reunião dizia: “A subversão desde alguns anos se encontra presente em nosso continente, amparada por concepções políticas contrárias à história, à filosofia, à religião e aos costumes dos países do hemisfério. Para enfrentar esta guerra psicológica, estimamos que devemos contar, em âmbito internacional, com uma coordenação eficaz, que permita o intercâmbio oportuno de informações e experiências”.
Graças à Operação Condor, opositores uruguaios foram detidos em território brasileiro; esquerdistas brasileiros foram presos quando tentavam voltar ao país, vindos da Argentina. E dissidentes chilenos foram atirados ao mar, de aviões da Força Aérea Argentina.
Ainda em 1981, outro personagem sinistro, o ex chefe da polícia política paraguaia, Pastor Coronel, mandava uma carta ao então delegado geral do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) da polícia paulista, Romeu Tuma – hoje senador pelo PFL de São Paulo, pedindo uma espécie de salvo-conduto para o também delegado Roque Mendez Lara. O policial vinha inteirar-se dos movimentos da oposição paraguaia no Brasil.
Mendez Lara também trazia um presentinho para Tuma: uma pistola, “como pequena prova da solidariedade e do respeito que unem nossos serviços, dedicados a resguardar a ordem e a segurança”.
O tempo passou e a Guerra Fria acabou, assim como as ditaduras militares no Cone Sul. Mas em nenhum dos países em que a Operação Condor pousou, os serviços repressivos foram completamente desarticulados.
No Paraguai, por exemplo, houve, nos últimos anos, meia dúzia de tentativas de golpes militares e um presidente foi assassinado. As Forças Armadas chilenas continuam sendo uma espada acima da frágil democracia do país. E há evidências inquietantes sobre o envolvimento de ex-torturadores argentinos, por exemplo, com o atentado que matou 96 pessoas na sede da entidade judaica Amia, na Argentina, em 1994.
A “ameaça esquerdista” está muito distante da região e a União Soviética cometeu suicídio. Nem por isso, sumiu a articulação das forças de segurança do Cone Sul.
O alvo, agora, é o tráfico de drogas, principal inimigo declarado pela Casa Branca. Por tradição, os militares brasileiros jamais quiseram envolver-se no combate ao narcotráfico, apontando para a responsabilidade constitucional da polícia. Mas por conta das pressões de Washington (temperadas com presentinhos como aviões e helicópteros, preciosos nesses tempos de cofres magros), que já puseram os militares a combater traficantes na Colômbia, Peru e Bolívia, essa resistência está cada vez menor. Como na canção chilena, o Condor passa. Mas nem por isso, some.
Boletim Mundo Ano 8 n° 4

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