Um país infeliz. A guerrilha de independência contra as forças coloniais portuguesas, conduzida pela pró-soviética Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), durou dez anos e só terminou com a Revolução dos Cravos, de 1974, em Portugal. Independente em 1975, sob o regime de partido único do presidente Samora Machel, Moçambique não teve paz. No final da década, bandos da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), armados pelos regimes racistas da África do Sul e da Rodésia, desestabilizavam o interior do país.
Um acordo de paz, costurado pela ONU, só foi assinado em 1992, depois do fim da Guerra Fria e da extinção do regime do apartheid na África do Sul.
Quase três décadas de guerra ininterrupta. E três desastres sucessivos, que dissolveram tanto as estruturas administrativas do Estado quanto as estruturas produtivas da economia: a fuga de meio milhão de portugueses, em 1975, a coletivização da agricultura imposta pela Frelimo. Em seguida, a desorganização do comércio interno provocada pelo conflito armado da década de 80. A Renamo nasceu como emanação dos serviços secretos dos países vizinhos, reunindo mercenários de origem portuguesa e chefes tribais saudosos do colonialismo. Mas o desespero causado pelo remodelamento violento do meio rural, através da criação das “aldeias comunais” inventadas pelo regime comunista, conferiu um sopro de vida, uma certa legitimidade popular a esse movimento que saqueava, destruía e matava.
Guerra e seca combinaram-se para trazer a grande fome, à qual se juntaram uma epidemia de cólera, em 1983, e os ciclones e inundações, em 1984 e 1985. Paz e normalidade, o direito de cultivar a terra e vender os alimentos, o fim das “aldeias comunais”. Essas coisas simples permitiram o início da reconstrução, sete anos atrás. Há menos de quatro meses, o ciclone Eline deflagrou o mais recente desastre. Sob as maiores tempestades de que se tem memória, os rios Limpopo, Save e Zambeze inundaram um quinto do território, cobrando milhares de vidas, deixando centenas de milhares desabrigados e arrastando minas terrestres para áreas que eram consideradas seguras.
A fúria da natureza é uma tragédia, mas Moçambique sobreviverá a ela. Se puder escapar da fúria, muito pior, dos homens.
Boletim Mundo Ano 8 n° 3
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