quarta-feira, 9 de março de 2011

ENTRE A COOPERAÇÃO E A CONFRONTAÇÃO

“Considerando uma visão de longo prazo, simplesmente não podemos deixar a China indefinidamente fora da família das nações,alimentando ali suas fantasias, cultivando seus rancores e ameaçando seus vizinhos. Não há lugar neste pequeno planeta para que um bilhão do seu povo potencialmente capaz viva em um isolamento ressentido.”
(Richard Nixon, em artigo para a revista Foreign Affairs, outubro de 1967)
E m abril de 1951, em plena Guerra da Coréia (1950-53), o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, removeu do posto seu comandante militar no conflito, Douglas MacArthur, herói da Segunda Guerra Mundial (1939-45). O motivo: MacArthur sugeriu que os Estados Unidos utilizassem a bomba atômica contra a China, sob regime comunista desde 1949, e cujas tropas apoiavam os norte-coreanos no confronto. Uma década depois, a China rompia com a outra potência comunista, a então União Soviética. O principal motivo, não revelado, era a oposição soviética ao programa nuclear chinês. Moscou temia que os “aliados” comunistas se projetassem como grande potência asiática, rivalizando com a URSS.
Hoje, nem China nem Estados Unidos ousam falar em bombas nucleares. O ex-presidente Bill Clinton (1993-2000) chegou a definir o relacionamento entre os dois países como uma “parceria estratégica”.
Foi a ruptura entre China e União Soviética que motivou Washington a aproximar-se da terra dos mandarins vermelhos, na tentativa de minar a posição estratégica soviética. Em julho de 1971, há 30 anos, o secretário de Estado americano, Henry Kissinger, lançou as bases da aproximação em uma viagem secreta a Pequim. Em 1972, o presidente Richard Nixon (1969-74) visitou Pequim e obteve de Mao Tsetung a garantia de que suas tropas não interviriam diretamente na Guerra do Vietnã, propiciando assim a segurança para a retirada das forças americanas.
“A questão menor é Taiwan; a questão maior é o mundo. Podemos nos virar sem eles no momento, e deixe que eles venham depois de cem anos”. Essas frases de Mao Tsetung, no encontro histórico com Nixon, estabeleceram a moldura de acordos entre a superpotência ocidental e a potência asiática emergente. Os Estados Unidos firmavam a política de “uma China”, reconhecendo o regime de Pequim e rompendo relações diplomáticas com Taiwan.
Ao mesmo tempo, a China prometia não usar a força para exigir uma anexação de Taiwan e os Estados Unidos garantiam ajuda militar limitada à “ilha rebelde”.
Assim começou a “diplomacia triangular” de Nixon e Kissinger, destinada  a conter a União Soviética através da ferramenta da “relação especial” com a China. Os chineses jamais encontraram obstáculos ideológicos para defender os seus interesses nacionais.
Washington e Pequim apoiaram, juntos, o Paquistão no seu conflito com a Índia, que tinha o apoio mais ou menos subterrâneo de Moscou. A “ponte paquistanesa” serviu para que armas americanas e chinesas chegassem aos guerrilheiros muçulmanos do Afeganistão, que combatiam a ocupação soviética.
A “relação especial” deu um imenso salto para diante com a abertura econômica promovida pelo dirigente Deng Xiaoping, a partir de 1978. No ano seguinte, o presidente americano Jimmy Carter estabeleceu relações diplomáticas formais com Pequim, completando o percurso previsto nos acordos secretos de 1972. Em seguida, empresas americanas lançaram-se, ávidas, sobre o maior mercado potencial do planeta  com seus 1,2 bilhão de habitantes.
Imagine-se o que isso significa, em termos de garrafas de Coca-Cola ou de aparelhos celulares vendidos... O valor do comércio bilateral multiplicou 25 vezes ao longo da década de 1990.
Agora, os olhos gordos dos investidores voltam-se  para as exigências que a China deverá cumprir para integrar-se à Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde 1993, o governo chinês assinou mais de 15 tratados de liberalização econômica com os Estados Unidos incluindo áreas sensíveis, como a propriedade intelectual  e, agora, compromete-se a abrir seu mercado em setores como telecomunicações e agricultura.
A lógica dos interesses econômicos contribuiu para ancorar a “política chinesa” definida por Nixon e Kissinger. Nas duas últimas décadas, cada novo governo americano é inaugurado com discursos duros a respeito da China, geralmente associados a ciclos de tensão relacionados à “questão de Taiwan”. Depois, contudo, a orientação estrutural revela a sua força e a “relação especial” ganha novo fôlego. Em 1989, por exemplo, Washington denunciou com discursos duros o massacre de pelo menos dois mil estudantes que exigiam democracia, na Praça da Paz Celestial .
Anunciaram-se sanções econômicas, logo esquecidas. Seis anos depois, uma crise entre a China e Taiwan detonou uma onda de ameaças de Pequim contra a “ilha rebelde” e levou porta-aviões americanos à região. Mas a turbulência também terminou em pizza ou melhor, em chop suey.
Bill Clinton foi eleito em 1992 prometendo pressionar a China em relação ao desrespeito aos direitos humanos. Nos últimos dois anos, pelo menos 77 ativistas da seita religiosa Falun Gong foram mortos nas prisões da China, que continua ocupando o Tibete com mão de ferro . A Anistia Internacional diz que o Estado chinês executou mais de 18 mil penas de morte na década de 1990. Clinton esmerou-se nas denúncias e chegou a carregar no tom da crítica à política chinesa de direitos humanos em discurso transmitido ao vivo pela TV estatal durante sua visita a Pequim, em 1998. Logo depois, o mesmo Clinton proclamou a inauguração de uma “parceria estratégica” com a China, retornando ao leito histórico escavado por Nixon e Kissinger.
O pragmatismo, é claro, tem mão dupla. Forças americanas bombardearam por engano a embaixada da China em Belgrado, Iugoslávia, em maio de 1999, durante a campanha de Kosovo. Só gritaria.
Nada que não se resolvesse com um pedido de desculpas, aceito por Pequim.
Pareceu mentira, mas era verdade.
No dia 1º de abril, um avião-espião americano colidiu com um caça chinês perto do limite do espaço aéreo da China. O piloto do caça morreu na queda. O avião americano e sua tripulação, depois de um pouso de emergência, permaneceram retidos na ilha chinesa de Hainan. A China exigiu desculpas. George W. Bush demorou muitos dias, até achar uma fórmula ambígua  ele disse “sorry”, ou melhor, “very sorry”. Os chineses libertaram a tripulação e elevaram o piloto morto à condição de herói nacional.
Um incidente como todos os anteriores?
É cedo para avaliar. Mas o pano de fundo não é alentador. Bush tem se referido à China como “competidor estratégico” e está cercado por gente que abomina a “relação especial” estabelecida há trinta anos.
Boletim Mundo Ano 9 n° 3

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