Jayme Brener
Cusco e Macchu Picchu, no Peru, são uma ode ao trabalho e ao gênio das civilizações pré-descobrimentos.
O Sol e a Lua apaixonaram-se há muitos e muitos anos. Mas nunca conseguiram se encontrar. Até que um dia, com enorme esforço, suas imagens enlaçaram- se no lago Titicaca. Desse encontro nasceram os irmãos Manco Capac e Mama Oclo. O pai Sol deu a Manco Capac uma bengala de ouro, que deveria ser fincada no centro da Terra. O jovem caminhou até encontrar seu objetivo: Cuzco, ou o umbigo do mundo, que seria a capital do Império Inca, uma potência com quase 20 milhões de habitantes, espalhados desde o atual Equador até a Patagônia.
É nos arredores de Cuzco que se erguem Macchu Picchu, a cidade de pedra encarapitada sobre as montanhas, e a impressionante fortaleza de Saqsaywaman, composta por rochas polidas de até 160 toneladas de peso.
Mas como foi que os incas e as civilizações anteriores, que não utilizavam plenamente a roda nem tinham uma única escrita definida, tornaram-se capazes de erguer construções tão perfeitas que, por vezes, é impossível passar uma folha de papel entre as pedras de uma muralha?
Esotéricos que peregrinam vindos de todas as partes da Terra viajam na dúvida e creditam esses colossos a seres extraterrestres, chegados a bordo de discos voadores.
Uma visita a Macchu Picchu, a Saqsaywaman ou ao complexo de Pachacamac, perto de Lima (a capital peruana), no entanto, mostra que todas elas são uma verdadeira ode ao gênio e ao trabalho das culturas pré-descobrimentos.
Tudo muito humano.
Para começar, os incas conquistaram inúmeros povos e herdaram suas conquistas, unificando o império a partir do século XII. Alguns desses povos como os nazcas – haviam feito grandes progressos, por exemplo, na astronomia. As linhas de Nazca, gigantescas inscrições na pedra que retratam pássaros e macacos e só podem ser vistas totalmente de avião, seriam, de acordo com os estudiosos, um eficiente calendário agrícola.
O império chegou ao auge no reinado do inca (imperador) Pachacutic (1438-1471). Sua principal característica era a concentração da riqueza e do poder.
Cuzco, a capital, tinha apenas cinco mil habitantes no auge. O famoso templo do Sol era recoberto de chapas de ouro e havia estátuas de ouro nos jardins. É fácil imaginar os conquistadores espanhóis babando ao entrar na cidade, brilhante...
O dono de todas as terras era o inca, filho do Sol, a quem todos deviam a existência. O inca e sua corte organizavam o serviço dos chaski, mensageiros que percorriam as províncias de Collasuyo, Antisuyo, Contisuyo e Chinchaysuyo, integrantes do Tawantinsuyo (o império). A mesma corte organizava eficientes redes de suprimentos, garantindo que não houvesse fome no império.
O poder absoluto do inca é a chave para entender o sucesso na construção das fantásticas muralhas de defesa, ou da agricultura em terraços (em Macchu Picchu, que fica a mais de três mil metros de altitude, plantava-se principalmente batata e milho), que aproveita
ao máximo a água. A questão é que todo habitante do império devia ao inca a mita, um período anual de trabalho compulsório.
A mão-de-obra abundante explica parte dos segredos de Macchu Picchu ou dos templos de Pachacamac.
O resto fica por conta da engenhosidade. Embora não fundissem metais, os incas faziam ferramentas com pedras duríssimas, de origem meteórica. Elas cortavam grandes nacos das pedreiras. Os blocos eram transportados sobre toras (um ancestral da roda) em caminhos abertos em ziguezague, de forma a reduzir a inclinação. Assim, cerca de cem homens davam conta do transporte de uma rocha de 40 ou 50 toneladas.
Ainda que estivessem engatinhando na escrita, os seguidores do inca conheciam a arte de fazer maquetes. Cada detalhe da construção era cuidadosamente planejado. Para cortar as pedras no formato certo, as ferramentas abriam as primeiras brechas. Toras encharcadas permitiam a dilatação do bloco, que era então aquecido até trincar. Depois, era só polir.
E como colocar esses maciços uns sobre os outros?
Simples. A primeira fileira era posicionada. As pedras eram então cobertas de terra, formando rampas que facilitavam o deslocamento. Aí, removia-se a terra outra vez.
Quando se conhecem melhor os segredos dos incas, uma pergunta ganha enorme força. Como diabos exatos 162 espanhóis conseguiram conquistar um império tão avançado, com 20 milhões de habitantes?
A resposta tradicional passa pelas armas de fogo e os cavalos, que os conquistadores traziam e que assombraram os indígenas. Mas será que isso é suficiente?
Os espanhóis, na verdade, encontram o Estado inca dividido entre dois candidatos a soberano: Atahualpa e Huascar. Diz a lenda que os conquistadores, tendo à frente Hernando Pizarro, apresentaram-se a cerca de cem mil nativos reunidos em Cuzco, em 1532.
Um padre teria exibido ao inca Atahualpa a Bíblia, dizendo que ela mostrava a palavra de Deus. Atahualpa apanhou o livro, afirmou que ele não lhe dizia nada (provavelmente porque não tinha figuras) e atirou-o ao chão. As armas de fogo dos espanhóis espoucaram, matando várias pessoas. Centenas morreram pisoteadas em meio à multidão que fugia.
Pizarro então prendeu Atahualpa. E o império, tão centralizado, desmoronou. Atahualpa, cativo, ordenou a continuidade do combate a seu irmão Huascar. Ao mesmo tempo, ele, o filho do Sol, tentou fazer de tudo para livrar-se da cadeia. Deu a Pizarro sua principal esposa, a qoya. Prometeu e deu-lhes – um quarto cheio de ouro e dois quartos repletos de prata. Nada adiantou. Atahualpa foi degolado na praça central de Cuzco. E a população do império entendeu que novos filhos do Sol haviam tomado seu lugar. A crueldade dos europeus motivou diversas rebeliões e uma resistência fragmentada, que terminou em 1572, com a morte do líder rebelde Tupac Amaru.
Tombado o inca, sumiu a rocha única sobre a qual se escorava o império. Outros senhores haviam fincado sua bengala no umbigo do mundo.
Boletim Mundo Ano 9 n° 3
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