sábado, 5 de março de 2011

LUGARES SANTOS DIVIDEM A TERRA SANTA

A Palestina é a última grande causa do século XX com raízes fincadas no período clássico do imperialismo. Tenho certeza de que seus protagonistas, árabes e judeus, sobreviverão ao antagonismo, porque é certo que a coexistência, a tolerância e a solidariedade devem prevalecer sobre o exclusivismo, a intransigência e o segregacionismo. O povo palestino constitui hoje uma nação no exílio, não uma coleção aleatória de indivíduos. Qualquer um que conheça um mínimo sobre esse povo sabe, também, dos profundos laços existenciais que o mantém unido, e que o conectam histórica, cultural e politicamente à terra da Palestina.
Por demasiados anos, as políticas oficiais de Israel e dos Estados Unidos (...) assumiram que os palestinos se dissolveriam no mundo árabe (...) ou que os palestinos aceitariam uma subserviência permanente sob a “limitada autonomia” de uma espécie de bantustão. (...)
Porém, parte dos judeus israelenses e não israelenses compreenderam que se israelenses e palestinos podem ter algum futuro decente, ele deve ser um futuro compartilhado, não baseado na anulação de um lado pelo outro.
(Edward W. Said, The question of Palestine, New York, Random House, 1992, p. 243-244)
O dia 13 de setembro era o limite.
Agora, depois do fracasso das negociações patrocinadas por Bill Clinton em Camp David, é novembro – Yasser Arafat, o presidente da Autoridade Palestina, não parece ter alternativa à várias vezes prometida proclamação do Estado soberano. Negociações frenéticas com Israel estão em andamento, mantendo viva a esperança de um acordo definitivo de paz na região. Se essas tentativas derradeiras fracassarem, o novo Estado já nascerá, ao menos tecnicamente, em guerra com os israelenses.
Há sete anos, em 13 de setembro de 1993, um aperto de mãos histórico entre Arafat e o então primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, simbolizou o espírito dos Acordos de Oslo. A conjuntura internacional e regional da época tinha empurrado os dois nacionalismos rivais para um “processo de paz”. O princípio sobre o qual tudo se assentava era o da devolução dos territórios palestinos ocupados na Guerra dos Seis Dias.
Nos termos vagos dos acordos, o recuo gradual de Israel de áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza daria lugar à implantação de zonas de autonomia palestina.
A confiança, paulatinamente construída, seria o combustível para a retomada das negociações sobre os fulcros de irredutíveis oposições. No encerramento do século, a Terra Santa poderia se tornar, enfim, uma terra de paz.
Nada saiu como previa o roteiro.
Em novembro de 1995, Rabin foi assassinado por um fanático judeu, que o culpava por “vender” Samaria e Judéia – os nomes bíblicos da Cisjordânia ocupada. Em maio de 1996, após uma campanha eleitoral pontilhada por atentados cometidos pelas facções radicais do Hamas, o principal agrupamento islâmico palestino, o Partido Trabalhista cedeu o poder ao Likud.
O novo governo de Israel, contrário aos Acordos de Oslo, praticamente congelou o processo de paz, conduzindo sucessivas rodadas de negociações a pontos mortos, dilatando prazos intermediários de retiradas e semeando milhares de novas residências de colonos na Cisjordânia.
Muitas vezes, o trem quase descarrilou.
Em outubro de 1998, um novo empurrão americano produziu o acordo intermediário de Wye Plantation. Naquele momento, contudo, esvaíam-se as esperanças em uma paz abrangente do tipo mencionado por Shimon Peres, o líder trabalhista derrotado em 1996, que falava num “mercado comum da água” e na integração econômica dos Estados do Oriente Médio. O “espírito de Wye Plantation” não era o da “paz dos bravos” anunciada em Oslo, mas o da “paz dos vencedores”. Num clima sombrio, desenhavam-se mapas de um futuro Estado palestino fragmentado  um arquipélago de ilhas minúsculas de soberania rodeadas por faixas de colônias israelenses.
A vitória do trabalhista Ehud Barak, nas eleições de maio de 1999 em Israel, reacendeu o fogo da esperança.
Barak apostou as fichas do seu governo na conclusão do longo processo de paz e lançou-se a novas rodadas de negociações com Arafat. Em Camp David, em julho, os tabus que separam os duelistas foram finalmente abordados. E , apesar do desenlace melancólico da tentativa, sabe-se que os dois lados saltaram barreiras tidas como intransponíveis e roçaram o sucesso.
Agora, luta-se contra o tempo. Um exame dos três pontos cruciais pendentes revela que o oásis da paz exige boa dose de criatividade, mas deixou de ser uma miragem no deserto:
1. O direito ao retorno dos palestinos refugiados da guerra de 1948.
São cerca de quatro milhões de refugiados.
Israel não admite o direito ao retorno, que provocaria uma revolução demográfica no país de 5,9 milhões de habitantes. A solução tacitamente aceita por Arafat é a criação de um fundo internacional para compensar os refugiados.
Além disso, Israel receberia, simbolicamente, algumas dezenas de milhares deles.
2. O Estado Palestino e suas fronteiras.
O princípio da proclamação de um Estado nacional palestino já foi aceito, explicitamente, por Barak. Uma solução territorial parece ter sido  cartografada em Camp David. O novo Estado se estabeleceria em toda a Faixa de Gaza e em cerca de 90% da Cisjordânia. Israel anexaria os 10% restantes, que abrangem os principais blocos de colônias judaicas e concederia em troca algumas pequenas áreas despovoadas de seu próprio território.
3. A soberania sobre Jerusalém.
Esse foi o abismo que tragou os negociadores em Camp David. Arafat reiterou a exigência de soberania sobre a parte oriental da cidade, ocupada por Israel na Guerra dos Seis Dias e habitada majoritariamente por palestinos. Nenhum líder israelense dispõe de condições políticas para fazer essa concessão. Mas Barak parece ter abdicado da ladainha sobre a “capital eterna e indivisível” de Israel, propondo um novo desenho dos limites da cidade com a inclusão de vários subúrbios árabes. Assim, estaria aberta uma fresta para a proclamação da capital palestina numa Jerusalém Oriental redesenhada.
A pirueta de Barak foi insuficiente, pois Arafat não pode, sob pena de destruir-se como líder palestino, desistir da Cidade Velha, o coração de Jerusalém. Ao lado do bairro muçulmano, está o quadrilátero sagrado denominado Haram al-Sharif pelos muçulmanos e o Monte do Templo pelos judeus. Nesse quadrilátero de ressonâncias milenares encontram-se a Mesquita de Omar, no Domo do Rochedo, e a Mesquita de al-Aqsa. Segundo versões contestadas por diversos arqueólogos, soterradas em algum lugar na esplanada das mesquitas, estariam as ruínas do Templo de Salomão.
O futuro de Jerusalém concentra, agora, os problemas da paz e da guerra na Terra Santa. E alguns quarteirões pontilhados de lugares sagrados concentram o problema da soberania sobre Jerusalém.
Todos os balões de ensaio já flutuam no céu. Alguém – especula-se que ninguém menos que Clinton – sugeriu a partilha vertical e horizontal da Cidade Velha, de modo a garantir uma soberania israelense sobre o subsolo. Há propostas um pouco menos imaginativas, que sondam caminhos para uma soberania compartilhada sobre os lugares santos. Falou-se até em “soberania divina” sobre mesquitas, templos e muros...
Detalhes irrelevantes diante do prêmio da paz? Não – sob o ponto de vista dos nacionalismos israelense e palestino, erguidos sobre o pedestal de mitos ancestrais.
Boletim Mundo Ano 8 n° 6

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