sábado, 5 de março de 2011

Nacionalidade: palestina

A idéia da existência de uma nacionalidade palestina, independente de uma “nação árabe” ampla e abstrata, é recente. Seu marco fundamental foi a falência histórica do pan-arabismo na Guerra dos Seis Dias (1967). Sem contar com o apoio do “mundo árabe” – e de seu principal líder, o então presidente egípcio Gamal Abdel Nasser – os palestinos tiveram de valer-se apenas de suas próprias forças contra os ocupantes israelenses.
E assim constituíram sua nacionalidade, hoje à beira de materializar-se com a criação do Estado independente.
A formação da maioria dos Estados árabes remonta ao final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando o Império Turco Otomano desmoronou. Para obter o apoio dos chefes tribais árabes contra os turcos, os britânicos prometeram a formação de um “grande Estado árabe”. Ao mesmo tempo, prometeram apoiar a criação de um “lar nacional judaico” na Palestina. Esse compromisso, expresso na Declaração Balfour de 1917, destinava-se a ganhar o apoio da influente opinião pública judaica nos Estados Unidos, que hesitaram em entrar na guerra. Era também um instrumento para mobilizar as massas de judeus na Rússia contra a revolução comunista de 1917.
Londres frustrou o mundo árabe, entregando a seu principal líder, o emir Faiçal, apenas o desértico reino da Transjordânia, enquanto os ricos Síria e Líbano permaneciam sob mandato francês. Palestina e Iraque caíram sob mandato britânico.
Nas três décadas seguintes, os ingleses conseguiram desagradar a árabes e judeus na Palestina. Sob pressão internacional, a Grã-Bretanha permitia que judeus perseguidos pelo nazismo na Europa se instalassem em terras compradas a camponeses palestinos, enfurecendo os líderes árabes. Por outro lado, temendo a ira dos árabes, maiores provedores do seu petróleo, os britânicos impunham limites à imigração judaica na Palestina, o que enfurecia os líderes sionistas.
A aproximação do fim do mandato britânico, em 1947, fez com que a ONU propusesse a partilha da Palestina entre árabes e judeus . À época, embora os líderes árabes rejeitassem em bloco a criação de um Estado judeu, cada um deles nutria seus próprios projetos e não existia uma liderança palestina independente. Resultado: na primeira guerra regional, em 1948, os exércitos árabes, em teoria muito  superiores às forças israelenses, foram derrotados. E Israel ocupou grande parte do que deveria ser o Estado palestino. Centenas de milhares de refugiados palestinos buscaram abrigo nos países vizinhos, principalmente a Jordânia.
A Organização pela Libertação da Palestina (OLP), criada em 1964, nasceu na verdade como um apêndice da diplomacia dos Estados árabes mais fortes. A Guerra dos Seis Dias subordinou os palestinos da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém Oriental à ocupação militar israelense. Mas esse fracasso dos Estados árabes resultou na ascensão do grupo nacionalista Al Fatah, cujo líder, Yasser Arafat, assumiu a secretaria geral da OLP. Em 1970, a idéia da “unidade árabe” sofreria um novo golpe com o massacre de milhares de palestinos pelas forças jordanianas, no episódio conhecido como Setembro Negro.
A resistência palestina transferiu-se para o Líbano de onde seria expulsa em 1982 por uma invasão israelense, que teve o apoio velado de vários países e facções árabes.
Arafat não era mais o líder de um componente do tal “mundo árabe”, mas da nação palestina que buscava se constituir em Estado. Antes disso, em 1979, os Acordos de Camp David, patrocinados pelos Estados Unidos, propiciaram a devolução do Sinai ao Egito e selaram a paz entre egípcios e israelenses, dissolvendo a frente militar árabe das guerras de 1967 e 1973.
A grande mudança ocorreria em 1987, com a explosão da Intifada (“sobressalto”, em árabe), uma revolta popular na Cisjordânia e Gaza ocupadas. Seus líderes eram jovens representantes das dezenas de milhares de palestinos forçados a trabalhar todos os dias em Israel, recebendo baixos salários e sendo submetidos a vergonhosas revistas policiais.
O exército israelense, acostumado a enfrentar soldados árabes e guerrilheiros palestinos, reagiu de forma desastrada à Intifada, matando centenas de jovens. A liderança do movimento não era da Al Fatah, mas de grupos independentes e do nascente movimento islâmico fundamentalista Hamas.
O hábil Arafat conseguiu, porém, assumir o comando do movimento e utilizou-o para operar importante guinada: em 1988, anunciou o abandono da luta armada, iniciando uma ofensiva política rumo ao Estado palestino e à paz com Israel. Essa iniciativa, que encontrou grande acolhida na opinião pública internacional, seria interrompida pelo apoio de Arafat ao iraquiano Saddam Hussein, na Guerra do Golfo (1991).
O líder palestino dependia economicamente do Iraque e temia que a liderança de Saddam Hussein o sobrepujasse entre os palestinos.
O encerramento da Guerra Fria e a derrota do Iraque de Hussein abriram caminho para o processo de paz entre Israel e a OLP. Sem a União Soviética, os Estados árabes renunciaram, em definitivo, à meta histórica da eliminação do Estado de Israel.
O vácuo geopolítico criado pela retração de Moscou foi preenchido pelos Estados Unidos.
Na Guerra do Golfo, Washington concluiu uma “grande barganha” com a Síria, entregando-lhe tacitamente o controle sobre o Líbano e comprometendo-se a pressionar Israel a fazer concessões.
Nesse contexto de rápidas mudanças, Arafat retomou a ofensiva pela paz. Enfraquecido, terminou assinando uma espécie de “paz dos vencidos”, em 1993, que reconheceu a existência de Israel, em troca do vago princípio da devolução de territórios palestinos ocupados. O governo constituído pela OLP, denominado Autoridade Palestina, ganhou autonomia sobre Gaza e parte da Cisjordânia .
Em 1993, Israel reconheceu, de forma velada, a inevitabilidade do surgimento de um Estado palestino. De lá para cá, no tortuoso processo de paz, pontilhado por avanços e recuos e sempre ameaçado de implosão, os líderes israelenses e palestinos tateiam em busca de uma definição sobre as fronteiras entre os dois Estados que partilharão a Terra Santa. Não há certeza de paz e estabilidade para a região mesmo se essa definição for encontrada. Se não for, a violência será previsível.
Boletim Mundo Ano 8 n° 6

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