Na África, a epidemia está produzindo uma geração inteira de órfãos e ameaça dissolver as instituições políticas dos países mais afetados.
A conferência mundial sobre a AIDS, realizada em julho, em Durban (África do Sul), atualizou os cálculos: há 34 milhões de pessoas infectadas no planeta, das quais 25 milhões estão na África. Em Botsuana, 36% da população adulta é portadora do HIV. A África do Sul detém o trágico recorde de país com maior número absoluto de adultos infectados: quatro milhões, ou um quinto da população adulta.
Essa é uma epidemia especial. Ao contrário da maioria das doenças infecciosas, que atingem principalmente crianças e idosos, a AIDS afeta mais vastamente os jovens e adultos. Do ponto de vista demográfico, seus efeitos assemelham-se aos das guerras. Com a importante diferença que, ao contrário da guerra, a AIDS não promove discriminação de sexo, matando homens e mulheres em proporção semelhante. Em 2010, a expectativa de vida em Botsuana será de 29 anos. Na Namíbia e no Zimbábue, 33. Na África do Sul, 35. São médias similares às da Idade Média européia.
A difusão descontrolada da doença na África funciona como uma bomba social, destruindo o núcleo familiar, que desempenha funções vitais na reprodução das sociedades – em particular, entre os pobres e no meio rural. Os “órfãos da AIDS” já são 10,7 milhões em todo o continente. Nos países com maior proporção de infectados, a taxa de natalidade sofrerá abrupta redução, em virtude da queda dramática da expectativa de vida. Sob os efeitos da AIDS, o futuro próximo assistirá à emergência de “países de adolescentes órfãos”, como revela a projeção da pirâmide etária de Botsuana . Uma estrutura etária desse tipo significará a virtual dissolução das instituições políticas e abrirá caminho para a disseminação, em escala sem precedentes, de conflitos etno- tribais.
No passado recente, o preconceito interpretou a AIDS como epidemia de homossexuais e viciados em drogas. Hoje, um racismo subterrâneo classifica-a como moléstia de negros africanos. Os estudos apresentados na conferência cutucam fundo a ferida e demolem o discurso racista – a AIDS é uma epidemia de sociedades miseráveis em países onde o Estado não funciona.
A prova encontra-se nos países africanos que estão vencendo a guerra: no Senegal, que lançou vigoroso programa anti-AIDS em 1986, hoje a taxa de infecção é inferior a 2%. Em Uganda, que só começou a agir no início da década de 1990, a proporção de adultos com o vírus já caiu de 14% para 8%. São países muito mais pobres que a África do Sul, e mais pobres que Zimbábue, Namíbia ou Botsuana.
Mas o Estado acordou para a AIDS.
Numa epidemia, cada infectado transmite a moléstia, em média, para uma pessoa ou mais. Se a média cai para menos que um, a epidemia começa a ser vencida e eventualmente retrocede à condição de endemia. No Senegal e em Uganda, o Estado distribui preservativos. Mas isso é pouco em sociedades patriarcais, onde as mulheres não têm voz. Oferecendo melhor educação às jovens do sexo feminino, os dois países as colocaram em condições de exigir que seus parceiros usem os preservativos.
As mulheres são uma chave para a vitória. Entre as crianças pequenas infectadas na África, cerca de um terço contraíram o vírus na amamentação. Substituir o leite materno por leite em pó custa caro, mas a ajuda internacional pode resolver o problema.
Contudo, na África, a mistura de leite em pó com água é, em geral, mais letal que o HIV. A água contaminada provoca diarréia, que é a maior causa de mortalidade infantil.
Senegal e Uganda investiram em saneamento básico.
Boletim Mundo Ano 8 n° 5
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