sábado, 5 de março de 2011

O POVO “DIFERENTE”

O sionismo, força nacionalista que construiu Israel, só se tornou majoritário entre os judeus da Europa após o genocídio nazista.
Os judeus constituíram, ao longo da Idade Média européia, um povo “diferente”.
Proibidos pelos governantes cristãos de possuir terras e de exercer inúmeros ofícios, eram, entretanto, bem-vindos como usurários e comerciantes, peças fundamentais para financiar guerras e cortes luxuosas. A “diferença” judaica era, em geral, marcada pela obrigação de usar roupas singulares e de viver em bairros diferentes, os guetos.
Em momentos de agitação popular  camponeses revoltados com a alta de preços, por exemplo  ou de cofres vazios nas cortes, um pogrom, um saque aos bairros judaicos, habilmente dirigido por reis, nobres e líderes religiosos acalmava corpos, espíritos e bolsos. “Os judeus mataram Cristo” era o mote favorito dos anti semitas...
O ataque aos judeus  às vezes mesclados a outros grupos, como os ciganos ou os mouros, na Espanha  de fato constituiu um elemento importante na afirmação de Estados unitários cristãos. São os casos da Reconquista católica da Espanha e da consolidação de Portugal, no século XV. Ou da revolta camponesa medieval de Chmelniecki, até hoje um herói popular na Polônia.
Essa incômoda posição de bodes expiatórios levou os judeus europeus a reagirem de duas formas à discriminação.
Muitos resolveram celebrar a “diferença” (afinal, a Bíblia não diz que os judeus são o povo escolhido por Deus?), afastando-se ao máximo dos “góim”, os não judeus. Foi o caso do movimento hassidista, nascido na Polônia do século XVIII, e cujos fiéis até hoje usam roupas negras, barbas longas e deixam crescer os cabelos das têmporas  são “diferentes” em qualquer país onde vivam.
Outra parcela da população judaica européia engajou-se em massa nos movimentos que pregavam a igualdade e a emancipação de todos os cidadãos. Primeiro, a Revolução Francesa de 1789, com sua mensagem internacionalista, que permitiu a emancipação dos judeus em várias partes da Europa. Depois, o socialismo, que empolgou multidões de judeus. Não por acaso, muitos de seus líderes eram judeus  como o ucraniano Leon Trotsky, a polonesa Rosa Luxemburgo e o alemão Eduard Bernstein.
O sionismo, a idéia de criar um Estado judeu, nasceu no fim do século XIX, quando nacionalismos pipocavam por todos os cantos. O curioso é que o grande teórico do sionismo, o jornalista húngaro Theodor Herzl (1860-1904) tentou “vender” aos governantes europeus a idéia de um Estado Judeu  inicialmente em Uganda, depois na Palestina  como um bom negócio para todos. Os governos se veriam livres da multidão de judeus pobres que migravam da Polônia ou Rússia rumo à França ou à Alemanha em busca de uma vida melhor. E os judeus prósperos poderiam gozar da emancipação, e mesmo da assimilação, sem serem comparados aos “primos” esfarrapados. Observe esse trecho do livro O Estado Judeu, a carta-programa política de Herzl:
“... o movimento que proponho, e que há de levar à formação de um Estado, prejudicaria tão pouco aos franceses israelitas como aos assimilados de outros países. Pelo contrário lhe seria proveitoso (...). Poderiam assimilar-se tranqüilamente, já que o atual movimento anti-semita seria detido para sempre.”
Em outro trecho, Herzl dizia: “os judeus pobres levam o anti-semitismo à Inglaterra e já o levaram à América”.
Corrente minoritária
O sionismo foi francamente minoritário entre os judeus da Europa, em relação às seitas religiosas e às correntes emancipacionistas, até a Segunda Guerra Mundial. Grupos sionistas-socialistas, pequenos mas muito ativos, começaram a enviar seus integrantes à Palestina para criar os kibutzim (comunas agrícolas) no final do século XIX, na tentativa de sair do plano das idéias. Contavam com o apoio de milionários judeus da Europa e dos Estados Unidos, que compravam terras de grandes proprietários turcos e árabes, ansiando pelo sumiço dos “primos pobres” de sua vizinhança.
Só o genocídio de seis milhões de judeus pelos nazistas é que transformou o sionismo em força majoritária entre os sobreviventes.
As teses dos assimilacionistas haviam sido demolidas, já que elites “cultas”, como as da Alemanha e da Áustria, apoiaram sem problemas o extermínio. E a massa religiosa fora chacinada quase sem reagir, apesar de seus apelos a Deus...
Uma ressalva: desde o momento em que tomaram o poder na Alemanha, em 1933, até pelo menos 1941, os nazistas tinham um projeto que parecia encontrar-se com o ideal de Herzl. Pretendiam expulsar os judeus  europeus rumo à África ou à Palestina.
A “solução final”, a idéia de exterminar a população judaica, nasceu apenas no final de 1942, quando os ventos da guerra começaram a soprar a favor dos Aliados.
Naquele momento desesperado, a “solução final” funcionou como instrumento poderoso de manutenção da solidez ideológica do regime (olha aí o bode expiatório, outra vez). Mas essa é outra história.
Boletim Mundo Ano 8 n° 6

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