Nelson Bacic Olic
Há 40 anos era criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), o primeiro órgão efetivo de planejamento regional no Brasil.
Seu idealizador e primeiro superintendente, o economista paraibano Celso Furtado, norteava-se pela idéia da intervenção estatal como meio para a promoção do desenvolvimento regional.
Naquela época, e mesmo muito antes dela, o Nordeste já era a mais problemática das regiões brasileiras.
Os debates sobre a questão nordestina reativaram-se no contexto internacional da Guerra Fria, num momento marcado pelo sucesso da Revolução Cubana de 1959, que entusiasmou movimentos de esquerda no Brasil e em toda a América Latina.
As estratégias de desenvolvimento regional propostas pela Sudene davam ênfase à industrialização, por meio de investimentos privados direcionados por incentivos fiscais ou de investimentos estatais nos setores de infra-estrutura viária e energética. No setor agropecuário, a Sudene tinha como objetivo implementar reformas para ampliar a produção agrícola, promovendo a utilização de técnicas modernas de irrigação no semi-árido, e introduzindo profundas modificações na estrutura agrária da Zona da Mata. No final, imaginava-se, essas transformações econômicas contribuiriam para mudar o trágico perfil social da região.
Nos últimos 40 anos, o Nordeste mudou muito. Do ponto de vista demográfico, a região tinha em 1960 cerca de 22 milhões de habitantes (38% da população brasileira). Atualmente, a população regional é de aproximadamente 47 milhões (27% do total). Nesse período, a relação entre população urbana e rural conheceu uma inversão hoje, mais de dois terços dos nordestinos vivem em áreas urbanas.
Do ponto de vista econômico, não é fácil avaliar a ação da Sudene. Todavia, qualquer avaliação deve levar em conta que as políticas de desenvolvimento do Nordeste verificaram-se num contexto mundial em rápido processo de transformação e que foram aplicadas a uma região periférica de um país periférico.
Verificou-se forte diversificação da estrutura industrial, com maior crescimento do setor de bens intermediários, em detrimento do setor de bens de consumo não-duráveis, segmento industrial predominante antes da Sudene. Quanto ao setor agropecuário, alguns espaços agrícolas apresentaram significativo processo de modernização, sobretudo aqueles onde se desenvolveram as técnicas de irrigação.
O setor de serviços conheceu importante dinamização, especialmente nas capitais estaduais e regionais.
Mas a participação do Produto Interno Bruto (PIB) nordestino no com conjunto do PIB nacional praticamente não se modificou. Se, em 1960, o PIB regional representava cerca de 12% do total, atualmente representa 13% e corresponde a apenas pouco mais de um terço do PIB do estado de São Paulo. No interior do Nordeste, os desequilíbrios econômicos são enormes: os três maiores estados – Bahia, Pernambuco e Ceará – respondem por cerca de 75% do PIB regional. A Bahia, sozinha, contribui com 31% do total regional.
No extremo oposto, Sergipe tem participação de apenas 4%.
O fracasso da estratégia da Sudene fica mais evidente no âmbito social. Hoje, como há 40 anos, a região exibe as maiores concentrações de pobreza e os índices vitais mais baixos do país. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da ONU evidencia o desastre: todos os estados nordestinos apresentam resultados inferiores à média brasileira. Entre os dez menores IDHs do país, oito são de estados do Nordeste.
Entre as regiões brasileiras, o Nordeste também apresenta a maior taxa de mortalidade infantil e a menor expectativa de vida.
Nova organização
A noção espacial de uma Região Nordeste, tal como existe hoje, é recente data da primeira metade do século XX.
Antes, existiam vários “nordestes”, áreas com características geoeconômicas bastante diferenciadas e que mantinham relações tênues entre si. O Nordeste atual, como região individualizada, é fruto do processo de integração nacional, induzido pela industrialização. O desenvolvimento da indústria por substituição de importações engendrou o mercado nacional e a concentração da riqueza no Sudeste, definindo o Nordeste como região periférica.
Interpretar o Nordeste apenas como região problema com áreas assoladas periodicamente pela seca e enormes bolsões de pobreza, onde a ação do Estado quase sempre só fez consolidar velhas estruturas e perpetuar situações de miséria tornou-se insuficiente, na atualidade, para entender o espaço nordestino. Hoje, mais do que em qualquer época do passado, um dos principais aspectos a ser destacado é a diversidade cada vez maior da organização espacial interna do Nordeste.
No Nordeste atual, convivem focos de expressivo dinamismo econômico e áreas onde as estruturas tradicionais se cristalizaram há muito tempo. Não resta dúvida de que a maior diversidade geoeconômica do Nordeste (especialmente seus focos de dinamismo econômico), resulta, ao menos em parte, da ação modernizadora da Sudene.
No interior do Nordeste, podem-se distinguir pelo menos sete áreas de maior dinamismo econômico . Essas áreas fundamentam-se em atividades turísticas, industriais ou agropecuárias:
• o pólo petroquímico de Camaçari, na Bahia;
• o pólo têxtil e de confecções de Fortaleza, no Ceará;
• o complexo mineral-metalúrgico de Carajás, que abrange extensas áreas do Pará e Maranhão;
• as áreas de moderna agricultura de grãos,especialmente soja, do oeste da Bahia e porções meridionais do Maranhão e Piauí;
• o pólo agroindustrial de Petrolina- Juazeiro, cuja base é a fruticultura irrigada, no médio vale do São Francisco, na Bahia e Pernambuco;
• o pólo de fruticultura irrigada do vale do rio Açu, no Rio Grande do Norte;
• os diversos pólos turísticos implantados nas principais cidades da região, especialmente as capitais, e em áreas adjacentes a elas.
As áreas do Nordeste nas quais a resistência às mudanças continua sendo a “marca registrada” do ambiente sócio-econômico correspondem à tradicional cultura canavieira da Zona da Mata e à combinação entre a pecuária extensiva e a pequena agricultura do sertão semi-árido.
Nessas amplas porções do território nordestino, o processo de modernização, quando ocorreu, foi espacialmente seletivo e restrito, contribuindo para a manutenção das estruturas tradicionais.
Essas áreas, de ocupação antiga, têm em comum o rígido controle econômico e político estabelecido pelas oligarquias fundiárias, que criaram mecanismos de preservação do seu poder. A concentração da propriedade da terra, hoje, como no passado, funciona como obstáculo para o desenvolvimento. Esse traço característico da ocupação regional vem se agravando, mesmo onde a irrigação introduziu uma agricultura mais modernizada.
Nesses espaços resistentes às mudanças, os velhos esquemas sócio-econômicos e políticos alicerçam-se sobre a estrutura fundiária injusta e o controle do acesso à água. Apesar de ter contribuído para a modernização econômica de certas áreas nordestinas, a Sudene ficou muito longe de alcançar as metas de desenvolvimento social idealizadas por Celso Furtado.
Boletim Mundo Ano 8 n° 6
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