sábado, 5 de março de 2011

O PENTÁGONO TROCA A EUROPA PELA ÁSIA

Newton Carlos
A  atualização do planejamento estratégico do Pentágono, concluída em junho e que resultou no documento Joint Vision 2020, encaminhado ao Estado- Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA, revela um olhar novo sobre o sistema internacional e as prioridades da política externa de Washington. O foco central deixou de ser a Europa, apesar das preocupações com situações tipo Kosovo.
Numa primeira versão, a China foi apontada com todas as letras como o futuro adversário “em potencial”.
O texto final, suavizado pela Casa Branca, se limita a advertir sobre a possível ascensão de um “competidor de peso”, sem citá-lo nominalmente. Mas é da China que se trata. De modo mais amplo, o Pentágono passa a encarar a Ásia como a mais provável arena de conflitos militares no século XXI.
Ou, no mínimo, de disputas envolvendo corridas armamentistas. A nova orientação já se reflete em mudanças significativas, como a construção de mais submarinos de ataque destinados ao Oceano Pacífico.
Há mais “jogos de guerra” e estudos estratégicos relacionados com a Ásia.
O Departamento de Estado entra com ações diplomáticas para reconfigurar a presença militar dos Estados Unidos, num arco que vai de Teerã a Tóquio. Diante da aproximação, ainda incipiente, entre as Coréias, o Pentágono revê o sentido da presença das tropas norte-americanas na Coréia do Sul. Como se consolida a convicção de que a China, cedo ou tarde, emergirá como grande potência, com influência significativa sobre a Ásia, a presença das tropas deixa de circunscrever-se ao “estado de guerra” na península coreana.
Elas se tornam peças de potenciais conflitos de maior envergadura. Não podem ser repatriadas.
Até há pouco, a Marinha norte americana tinha no Oceano Atlântico 60% de seus submarinos de ataque. Agora, eles já são metade no Atlântico e metade no Pacífico.
Daqui a pouco, os do Pacífico serão maioria. Há dez anos, 90% dos especialistas militares dos Estados Unidos se concentravam em cenários de confrontos entre exércitos na Europa. Hoje, 50% ou mais se voltam para o teatro asiático.
O Exército, força principal na Europa, baixa a segundo plano, enquanto Marinha e Força Aérea multiplicam seus “jogos de guerra” na Ásia, à procura de respostas para grandes questões que podem colocar-se “concretamente” em futuro próximo.
Índia e Paquistão travarão uma guerra atômica, ou pior, armas atômicas do Paquistão cairão em mãos de guerrilheiros islâmicos do Afeganistão? O Irã se tornará nuclear? A Indonésia se esfacelará? A Coréia do Norte despencará pacificamente?
Estados Unidos e China conseguirão evitar um conflito nuclear?
A Ásia, como novo ponto focal, aparece em dois lances diplomáticos e militares de longo alcance. O primeiro trata de assegurar a presença militar dos Estados Unidos no Japão e península coreana, mesmo com o desaparecimento da “ameaça norte-coreana”.
O outro lance destina-se a abrir as portas para uma “reentrada” militar dos Estados Unidos no sudeste asiático, 25 anos depois do fim da Guerra do Vietnã e dez anos depois do abandono das bases nas Filipinas. O reatamento militar com as Filipinas pode servir de modelo para um “redesenho” da presença no Pacífico. Em vez de bases que são pequenos universos fechados à gente do lugar, tropas dos EUA e das Filipinas realizarão exercícios conjuntos sistemáticos.
Ao mesmo tempo, Washington amplia seus contatos militares com a Austrália.
Dez mil de seus soldados participaram de manobras na região de Queensland.
Este ano, pela primeira vez, tropas de Cingapura estiveram no “Cobra Gold”, exercício americano-tailandês. Em Cingapura está em construção um pier especial para receber porta-aviões nucleares dos EUA. O chefe do Pentágono, William Cohen, fala da “tirania da distância” quando se refere ao Pacífico, e anuncia mais encomendas de C-17, enormes aviões de transporte militar.
A Força Aérea precisará de bombardeiros de maior alcance e a Marinha, de barcos que possam operar a longa distância.
No estreito de Málaca, por exemplo, rota do petróleo do Golfo Pérsico para o Japão e o restante da Ásia, cuja relevância estratégica impõe ênfase em poder naval, aéreo e espacial. Eliot Cohen, professor de estudos estratégicos da Johns Hopkins University, prevê que o futuro chefe do Estado-Maior Conjunto sairá da Marinha ou Força Aérea e não mais do Exército. Com a guinada da Europa para a Ásia, o Pentágono talvez consiga o que reivindica há anos – um orçamento tão gordo quanto o dos tempos da Guerra Fria.
Boletim Mundo Ano 8 n° 6

Nenhum comentário:

Postar um comentário