Anne-Sophie Le Mauff
Vitória contra o terrorismo e a hiperinflação, doses de paternalismo social e de fraude eleitoral garantem mais um mandato a Alberto Fujimori.
Alberto Fujimori, presidente do Peru há dez anos, foi reeleito no final de maio, sob intensas acusações de fraude. A Organização dos Estados Americanos (OEA) retirou seus observadores eleitorais; os Estados Unidos criticaram o uso da máquina oficial e o adversário de Fujimori, Alejandro Toledo, abandonou sua candidatura no segundo turno, em protesto contra a suposta manipulação dos resultados. Mas a fraude não é suficiente para explicar o apoio popular a Fujimori. Embora sejam reféns de um regime que lhes dá magras garantias sociais, os peruanos em especial os mais pobres – reconhecem em Fujimori o vencedor da hiperinflação e do grupo terrorista Sendero Luminoso.
O fujimorismo é, desde 1992, uma espécie de braço invisível, que penetra nas profundezas da sociedade peruana, levando ao mesmo tempo um certo progresso e violações sistemáticas de todo tipo de direitos.
Eleito em 1990, Alberto Fujimori liderou um auto golpe de Estado, dois anos depois, que ampliou seus poderes e o espaço de ação das Forças Armadas. O sistema arquitetado a partir de então apóia-se em uma mistura de paternalismo e autoritarismo.
Com o Programa Nacional de Assistência Alimentar (Pronaa), Fujimori encontrou o caminho que leva ao coração do povo. O Pronaa fornece mantimentos a cerca de 14 mil cantinas populares, que beneficiam 998 mil pessoas de baixa renda e funcionam como um poderoso instrumento de apoio popular ao governo.
Mais de 70 mil mães de família e 14 mil dirigentes comunitários garantem o funcionamento dessas cantinas. Cada uma delas serve, em média, 90 refeições diárias ao custo equivalente a um real, desempenhando papel social importantíssimo nas regiões mais pobres.
No bairro de La Ensenada, em Lima, por exemplo, funcionam 25 cantinas.
“No dia de seu aniversário”, narra Silvia, presidente de uma delas, “Fujimori obriga a nós, mulheres das cantinas populares, a sair às ruas e oferecer-lhe presentes.
O governo diz que fazemos isso voluntariamente, mas não é verdade. Se não formos, levando nossos filhos, eles ameaçam cortar o envio de mantimentos. A maior parte das mulheres vai. Eu me recusei e fui acusada de estar contra o governo e de apoiar os terroristas”, diz Silvia, que não revela seu nome completo, para evitar que as autoridades a identifiquem.
Além da assistência alimentar, Fujimori tem outras armas nessa guerra que trava em todas as frentes. Com uma generosidade calculada, o governo começou a oferecer, dois meses antes das eleições, lotes em áreas habitáveis, a preços baixos. “Cada beneficiário representaria, em média, quatro votos a mais para Fujimori”, analisa o deputado oposicionista Avendaño Valdez.
Fujimori parece estar em todos os cantos, a começar onde há pobreza. Ele circula de bicicleta pelas favelas e visita escolas dos confins dos Andes, que não dispõem sequer de eletricidade. Diante das câmeras de TV, promete o impossível: computadores para todos.
“Seu governo é responsável por muitas realizações em favor das camadas mais modestas da população”, reconhece Giovana Polarolo, redatora-chefe da revista Debate. “As pessoas dão-se conta de que escolas vêm sendo construídas, que a água, a luz e a rede de esgoto estão chegando.
Os bairros mais pobres, que jamais tiveram as condições de vida existentes nas cidades, conquistam, de uma hora para outra, algumas vantagens; um relativo acesso à modernidade”, avalia a jornalista.
Para o pesquisador Hernan Chaparro, do Instituto Apoyo, um dos mais respeitados do Peru, “se Fujimori tem apoio sobretudo entre os pobres de Lima, é porque ele soube utilizar os recursos à disposição do poder para alimentar uma relação perversa de clientelismo entre o Estado e o cidadão, que não vai se extinguir tão cedo.
Até porque a população pobre leva mais em conta as promessas do que a mensagem democrática em si própria”, conclui Chaparro.
Boletim Mundo Ano 8 n° 4
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