“Quando você dá a partida num BMW Série 7, está ativando mais poder computacional (para sistemas de comunicação e segurança bem como para gerenciamento do motor) que o da missão Apolo 11 à Lua”. Essas palavras, aplicadas sobre a foto da decolagem do foguete Saturno-5, em 1969, formam a base do mais recente lançamento mundial do fabricante alemão.
Enquanto Neil Armstrong e seus companheiros da Apolo 11 viviam a grande aventura lunar, começava em silêncio uma outra aventura.
Gordon Moore, da então desconhecida Intel, enunciava a “lei” segundo a qual a performance dos microprocessadores dobraria a cada 18 meses.
O acerto dessa profecia explica a liderança alcançada pela indústria da informação na revolução tecno científica.
O ritmo alucinante da inovação foi potencializado pela convergência entre a microeletrônica e as telecomunicações, sobre cujo alicerce ergueu-se a Internet.
Os microprocessadores estão em todos os lugares. Como aconteceu há um século com a energia elétrica, eles incorporaram-se ao fluxo vital das sociedades.
E, justamente por isso, a sua importância só é plenamente reconhecida em situações de colapso, como a prenunciada pelo “bug do milênio”.
“Poderiam dois desprezíveis dígitos realmente parar a civilização?”, uma revista perguntou na capa há um ano.
“Sim, sim - 2000 vezes sim”, respondeu.
O primeiro dia do último ano do século corre o risco de acordar com bancos, hospitais, órgãos públicos, bombeiros, polícias, fábricas e escritórios paralisados, pois os microprocessadores dos quais dependem tornaram-se incapazes de reconhecer o seu tempo.
Na primeira metade do século XIX, as ferrovias britânicas escolheram o padrão Stephenson de bitola, desprezando a bitola larga de Brunel adotada depois nos Estados Unidos e vários países europeus. A bitola estreita, inspirada naquelas dos vagões tracionados por cavalos das minas de carvão, sobreviveu por 150 anos, retardando a introdução dos trens de alta velocidade nas Ilhas Britânicas. As revoluções tecnológicas são vistas como pura invenção, mas de fato portam grande dose de inércia. O foco da inércia em geral reside nos padrões básicos, que invadem o futuro mesclando-se com técnicas inovadoras de modo cada vez mais não-funcional.
A revolução da informação já produziu as suas primeiras “ruínas tecnológicas”, como o “bug do milênio”.
Mas, ao contrário da revolução mecânica, essas “ruínas” aparecem em padrões virtuais, configurados pelos softwares, não em estruturas materiais.
Computadores corporativos (mainframes) e PCs rodam programas cujo núcleo reproduz o padrão dos dois dígitos. As “ruínas tecnológicas” continuam a desempenhar funções úteis por muito tempo, ainda que limitando a eficiência geral das atividades às quais está associada. Empresas e governos só as eliminam quando o custo de mantê-las torna-se maior que o da ineficiência que provocam. É o caso, agora, das linhas código de dois dígitos: no dia 1 de janeiro de 2000, seu custo pode ser o do colapso econômico.
DATA FATAL ATROPELARÁ EMPRESAS
Flávio A. Pires
Nos anos 70 e início dos anos 80, quando os computadores possuíam memória muito menor, os softwares foram desenvolvidos utilizando a representação do ano com apenas dois dígitos, para economizar espaço em memória e disco. Como todos os anos começavam com 19, utilizavam-se apenas os dígitos finais. Para aproveitar códigos de programas antigos e por “vício” dos analistas de sistemas, este formato continuou a ser utilizado. Agora, com a virada do século, todos estes sistemas precisam ser modificados. Isto é o que se chama de “bug do ano 2000” ou “bug do milênio”. Serão gastos globalmente entre US$ 300 bilhões e US$ 600 bilhões na correção do problema.
O problema envolve também códigos de produtos associados a datas: carro ano xx, lista telefônica xx, etc. Quando utilizamos 2 dígitos para representar o ano, fazemos o computador “ler” o ano 2000 como “00”. Mas “00” é menor que “99”, e isto implica problemas infindáveis. As faturas que vencem após o ano 2000 estarão vencidas. Os juros calculados entre datas dos dois séculos serão negativos. Os sistemas de controle de fluxos de informações correm o risco de paralisia. Outro erro decorre do fato do ano 2000 ser bissexto. A maioria dos algoritmos de cálculo de datas assumiam que os anos bissextos eram os múltiplos de quatro menos as viradas de século, o que está errado pois os múltiplos de 400 também o são.
Apesar de terem sido lançadas centenas de técnicas e softwares para a solução do “bug”, ainda é necessária a verificação de cada linha-código dos programas a serem alterados. Isto é o que eleva o custo e posterga os prazos de solução. A data final para todas as modificações é imutável e incompatível com o volume de trabalho. Muitas datas intermediárias já estão prejudicando os negócios das empresas: cartões de créditos só usam validades até 99, financeiras não fazem empréstimos além da data fatal.
Para as empresas, o investimento é crítico, pois seu único retorno consiste em se manter no negócio. Além do investimento financeiro, muitas delas terão que congelar o desenvolvimento de seus sistemas, o que implica prejuízos muito maiores.
O Gartner Group estima que provavelmente metade das empresas não estarão prontas no primeiro dia do ano 2000. No Brasil, a menos de 500 dias da data fatal, apenas 30% das empresas estão trabalhando para valer na eliminação do “bug”.
Boletim Mundo Ano 6 n° 6
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