Há 150 anos, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) lançavam a primeira versão do Manifesto Comunista, uma obra de poucas páginas, dessas que se pode ler em algumas horas, mas que estaria destinada a agitar de forma explosiva o panorama político e filosófico mundial. Raras obras influenciaram tanto os rumos de sua própria época. Mesmo hoje, quando o século XX esvanece no horizonte histórico, ainda são perceptíveis os ecos dessa obra que, desde 1848, embalou os sonhos do homem moderno por um mundo mais justo, igualitário, democrático, feliz.
O Manifesto é “filho” de 1848, ano de intensa convulsão no continente europeu. A “velha Europa”, monárquica e militarista, politicamente apoiada no Congresso de Viena (1814-15), choca-se com a “nova Europa” burguesa, na qual o extraordinário desenvolvimento da tecnologia impulsiona um período de intensa industrialização, expande o comércio mundial e instala as primeiras metrópoles industriais. A Europa burguesa inaugura o mundo moderno e coloca em cena uma nova personagem histórica: as massas urbanas, o proletariado que movimenta a linha de produção industrial. É o homem anônimo, que nada tem de seu, exceto sua força de trabalho que, para sobreviver, é obrigado a vender ao burguês, o dono dos meios de produção.
O advento da burguesia - diz o Manifesto - representou um momento historicamente mais avançado, “progressista” em relação ao antigo aristocrata.
O burguês, sempre em busca de novas fontes de lucro, parte para a conquista do planeta. Mas ele vai muito além do mero mercantilismo, não se contenta com a troca de mercadorias já praticada à época das Navegações: ele exporta para o mundo inteiro as suas fábricas, desenvolve as ciências e as técnicas e abre perspectivas extraordinárias ao crescimento do ser humano.
Ao mesmo tempo, o burguês também é um fator limitante do crescimento que ele mesmo gerou. Cada burguês ou grupo de burgueses quer para si, exclusivamente, o controle dos novos mercados e regiões. Ora, esse controle só pode ser assegurado pela força das armas. Por essa razão, para o burguês, a política, a gestão do Estado tem o significado de proteger os seus próprios interesses contra os de seus competidores.
Os Estados burgueses se armam para lutar uns contra os outros, fragmentando aquilo que o próprio mundo burguês unificou. Mas não é só para lutar contra os competidores que o burguês quer o seu Estado. É também para reprimir o proletariado que trabalha em suas fábricas e que luta por melhores salários e por maior poder de decisão política. O Estado burguês, desde sua origem, também representa os interesses do patrão contra os do trabalhador.
A polícia, sempre convocada para reprimir greves e movimentos trabalhistas, diz o Manifesto, é o destacamento de homens armados para defender os interesses da burguesia.
Em todo o mundo, os burgueses exploram e reprimem o proletariado.
Mas, ao contrário do que acontece com a burguesia, o proletariado de um país não tem nenhum interesse contrário ao proletariado de outro país. Seus interesses são idênticos em todos os países, afirmam Marx e Engels. É por isso que só eles, operários, podem levar até o fim aquilo que os burgueses começaram mas não podem terminar: a unificação completa do mercado mundial, a transformação de todo o planeta em uma só sociedade de homens livres.
Mas é claro que os burgueses não entregariam o poder de mãos beijadas.
O proletariado deve tomá-lo, mediante um processo revolucionário. Contra as armas dos burgueses, os operários têm a arma de sua união mundial. Devem criar o seu partido, a Internacional Comunista, e lutar para libertar a humanidade dos grilhões da ganância. É por essa razão que o Manifesto de 1848 começa com uma análise da luta de classes (burgueses e operários) e termina com o seu célebre chamado: “Proletários todos os países, uni-vos!”.
A última frase do Manifesto pretende ser o começo de um novo mundo.
Marx e Engels acreditavam ter identificado uma linha evolutiva na história, que começava numa sociedade de comunismo primitivo, passava pelo feudalismo e pelo capitalismo e chegaria ao comunismo, o “fim da história”, a sociedade de um novo mundo sem classes.
Eles acreditavam que o homem poderia interferir de forma consciente nessa “cadeia de acontecimentos”, de que fala Walter Benjamin, e conduzir o “progresso” para a “direção certa”. O Manifesto é uma demonstração tão magnífica quanto ingênua desse desejo.
Passados 150 anos, a “experiência socialista” ruiu com o Muro de Berlim. A revolução proletária, que conduziu os comunistas ao poder na Rússia, em novembro de 1917, não criou o mundo feliz de homens iguais previsto pelo Manifesto. Alguns dirão que Marx e Engels eram “loucos” ou “visionários messiânicos”; que não entendiam a “natureza humana”; que eram “tiranos”. Eles eram homens de seu tempo. Acreditavam que a Razão poderia domesticar a história, fazendo cessar a infinita produção de ruínas e catástrofes - e por terem acreditado nisso eles foram os mais legítimos herdeiros do Racionalismo de Descartes (“penso, logo existo”). Quiseram, eles mesmos, serem o Anjo da História, e talvez aí tenham cometido o pecado da arrogância. Mas alguém pode, em sã consciência, criticar Prometeu por ter roubado o fogo dos deuses ?
Boletim Mundo Ano 6 n° 3
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