Estado de Israel chega aos 50 anos atormentado por crise de identidade e imerso na polêmica sobre a imposição de uma cultura oficial
O Estado de Israel completou 50 anos, em maio, mergulhado em polêmicas que põem na marca do pênalti um dos mitos mais importantes para a sua construção: a idéia da unidade absoluta dos judeus, pouco mais de cinco milhões de pessoas no oceano árabe hostil que é o Oriente Médio.
Foi um judeu de extrema-direita (e não um palestino) o assassino do primeiro-ministro trabalhista Itzhak Rabin, em 1995. A minoria ultra-religiosa tenta impor ao conjunto do país seus preceitos, como o fechamento dos cinemas aos sábados. Por pressão desses fundamentalistas, o Estado não reconhece as conversões ao judaísmo feitas em Israel por rabinos liberais e reformistas. Só por rabinos ortodoxos. E em Israel, quem não é judeu, mesmo tendo cidadania israelense, não goza de direitos plenos. São menores, por exemplo, suas possibilidades de obter créditos para a casa própria.
O fim da Guerra Fria e também da ameaça de um ataque árabe definitivo, capaz de arrasar Israel, permitiram que viessem à tona críticas duríssimas contra os próprios mecanismos de construção da nacionalidade israelense. É bom lembrar que desde sua criação, em 1948, o país recebeu contingentes de judeus de 102 países.
Desde populações ocidentais até judeus negros da Etiópia e Índia. Houve casos de comunidades inteiras transplantadas para Israel - Iraque, Iêmen, Síria, Albânia - a fim de escapar de ameaças em seus países. Mais de 200 mil judeus romenos foram comprados do antigo regime comunista. O mesmo aconteceu com 48 mil judeus etíopes, descendentes da famosa rainha de Sabá, namorada do rei Salomão, aquele da Bíblia.
Para integrar todos esses grupos, o Estado de Israel desenvolveu uma eficiente máquina ideológica. Nos anos 1940-50, quando a ameaça árabe era maior (e, portanto, os novos imigrantes tinham de ser rapidamente integrados à produção e ao exército), sucessivos governos trabalhistas trataram de disseminar o mito do “novo homem israelense”.
Um judeu bravo, guerreiro, agricultor de sucesso, ocidentalizado e pouco afeito às coisas da religião. Nada a ver com os judeus dos guetos europeus orientais, sempre com medo de governos anti-semitas. Pouca semelhança com os judeus ultra-religiosos dos atrasados Iêmen e Marrocos.
De olho em um país novo, a idéia era criar um novo povo, um “projeto” tocado adiante, sob formas diferentes, também na União Soviética de Josef Stalin e na Alemanha de Adolf Hitler.
Judeus poloneses, sobreviventes do massacre nazista na Segunda Guerra e que falavam o ídiche, eram ridicularizados.
Era a língua dos derrotados, não de um novo povo vencedor. Os imigrantes do Marrocos e do Iêmen viam-se exortados a abandonar rapidinho seu árabe natal, trocando-o pelo hebraico, de ensino compulsório e intensivo. Todo o ensino oficial era aplicado em hebraico e as línguas natais dos imigrantes não eram sequer ensinadas de forma opcional.
Muitos religiosos foram “convencidos” pelos trabalhistas a cortar suas peiot, os longos cabelos encaracolados das têmporas. Nas escolas oficiais, a história desses grupos de judeus pelo mundo desaparecia; era trocada pela nova história de Israel. O governo proibiu a televisão em Israel até 1968, para não ferir a “pureza cultural” do país. Aliás, os Beatles também eram banidos, já que constituíam uma “influência negativa” para os jovens.
Hoje se sabe que houve muito mais barbaridades cometidas em nome da “moderna Israel”. Dezenas de crianças foram raptadas, nos anos 50, nos hospitais em que suas mães deram à luz.
Enfermeiros e médicos “modernos” achavam errado uma família iemenita ou marroquina ter cinco, seis filhos. E, por sua conta, avisavam às mães que os filhos haviam morrido no parto. Os bebês iam para casais sem filhos, sobreviventes do Holocausto nazista. O rancor dos judeus orientais, os sefaradim, se manifestaria décadas depois. Em 1977, eles foram decisivos para eleger o primeiro-ministro Menahem Begin, do partido de direita Likud, que hoje está no poder.
Israel vive atualmente o renascimento de inúmeras culturas. As centenas de milhares de imigrantes que saíram da ex-URSS nos últimos anos, por exemplo, fazem questão de manter suas tradições. Há, no pequeno país de seis milhões de habitantes, dezenas de jornais em vinte idiomas diferentes. O atual líder do Partido Trabalhista, Ehud Barak, pediu oficialmente desculpas aos judeus orientais, no início do ano, pela discriminação praticada desde a criação do Estado de Israel. Há quem acredite que isso não é suficiente. Em setembro passado, oito judeus de origem marroquina surpreenderam a polícia palestina ao pedirem asilo político na Cisjordânia. O motivo era a discriminação.
Um dos integrantes do grupo, Shlomo Buzit, eletricista com salário de US$ 1.150, ganhava bem menos de que seus colegas de origem ocidental. “Somos discriminados e nossa cultura tem mais a ver com a dos árabes”, disse ele ao cruzar a fronteira.
Boletim Mundo Ano 6 n° 3
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