quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

EXPLOSÕES DA ÍNDIA E DO PAQUISTÃO ATINGEM A ORDEM MUNDIAL

Newton Carlos
Política da Casa Branca de não-proliferação foi a primeira vítima da corrida atômica no subcontinente indiano, que definiu a agenda de Clinton na China
A 3 de abril, cinco semanas antes do início dos testes nucleares da Índia, o primeiro-ministro do Paquistão, Newaz Sharif, mandou carta ao presidente Bill Clinton avisando que os indianos preparavam a região desértica de Rajastan dito pelo ministro do Exterior paquistanês, Gohar Ayub Khan, à secretária de Estado americana, Madeleine Albright, com a advertência de que seu país seria forçado a fazer o mesmo se o vizinho não fosse contido. A existência da carta teve confirmação protocolada e mandada ao Washington Post pela embaixada do Paquistão nos Estados Unidos.
Não foi, portanto, por ignorância, ou má qualidade do sistema de vigilância da CIA, usado como desculpa, apesar da sofisticação de seus satélites, que o governo americano se viu obrigado a engolir o gesto belicoso dos ultra nacionalistas no poder em Nova Délhi. Pior ainda, teve de suportar golpe num dos projetos mais caros aos Estados Unidos, o de impedir “a qualquer custo” a proliferação das armas de destruição maciça. Tratou-se de impotência, o que coloca em dúvida a capacidade americana de agir como superpotência “normativa” do pós Guerra Fria. Os próprios americanos admitem isso.
O teor oficial das reações de Washington à crise desencadeada pela Índia e Paquistão foi dizer que a opinião pública mundial tem exagerado a habilidade dos Estados Unidos de “orquestrar e implementar” uma Pax Americana.
“O fato é que os dois países asiáticos recusaram sumariamente os conselhos de Clinton”, confessou Mike McCurry, porta-voz do presidente, em entrevista na Casa Branca. “Significa que os Estados Unidos, com todo o seu poder e riquezas, não são capazes de controlar o que se passa em cada canto do mundo, sobretudo num lugar de guerras e tensões velhas de 50 anos”, concluiu McCurry. A revista Foreing Policy publicou uma série de artigos - em edição cuja capa mostra Clinton regendo orquestra desafinada  nos quais a Pax Americana é um monte de dúvidas.
A impotência diante dos testes nucleares de duas nações miseráveis pode funcionar como sinal verde para que outros trilhem o mesmo caminho. A China, que fez as explosões que queria  como a França, antes de aderir ao tratado de proibição total dos testes nucleares - foi citada pela Índia como a ameaça maior. China e Índia já trocaram tiros em disputas fronteiriças. Mas o Paquistão desloca o eixo da corrida para a Cachemira, cujo controle disputa com os indianos, razão de guerras sem sentido para o resto do mundo, não para eles.
Os ingleses ainda não haviam deixado seu império das Índias e indianos e paquistaneses já estavam às turras.
Em cima da partilha, consumada em 1948, Índia e Paquistão ainda não sabiam com qual das duas novas nações ficaria a Cachemira, espremida entre ambos. A opção teria de ser feita pelo marajá da Cachemira, de religião hindu, obrigado a lidar com uma população com 80% de muçulmanos. O Paquistão muçulmano tinha a certeza de que seria o aquinhoado. Mas informações de que guerreiros saídos dos confins do Afeganistão iriam atacar resultaram na fuga do marajá e na sua adesão à Índia, que mandou tropas. Guerra e divisão da Cachemira em 1949, com a qual o Paquistão nunca se conformou. Novas guerras, atos de terrorismo e, agora, o fantasma nuclear numa briga de quintal, ato supremo de vulgarização de armas capazes de aniquilar a espécie humana. Juntando os lados indiano e paquistanês, a Cachemira tem a maior densidade militar do mundo  um soldado para cada 14 habitantes.
Especialista do Council of Foreign Relations dos Estados Unidos, Robert Manning tem explicação sui generis para a nova onda de proliferação.
Ironicamente, escreve, o êxito das forças americanas no Golfo Pérsico em 1991, a precisão dos sistemas de direção e o domínio eletrônico do campo de batalha “possivelmente incentivaram proliferadores potenciais”. Diante de um país com tamanha força convencional, teriam assumido a lógica da contenção nuclear codificada pelas potências durante a Guerra Fria. “Nunca enfrente os Estados Unidos sem ter armas atômicas”, disse um chefe militar da Índia, segundo Manning, quando perguntado sobre as lições da Guerra do Golfo.
Essa seria a racionália da China, cujo presidente Jiang Zemin recebeu Clinton de igual para igual e estabeleceu com a Casa Branca um “diálogo global”.
Conversas a respeito de tudo, da crise nuclear, de relações econômicas, da crise asiática, do Tibete, de Taiwan, de direitos humanos. Nada de foguetes apontados mutuamente. A viagem de Clinton carimbou a China como potência e candidata a parceira num eixo programado para o terceiro milênio. O objetivo não foi mudar os chineses, mas a percepção dos americanos em relação aos chineses. Sepultar a idéia de “confronto inevitável”, presente em obras de impacto, como The Coming Conflict with China, de Richard Bernstein e Ross Munro. Mostrar que os interesses chineses não são “irremediavelmente contrários” aos americanos.
Esse novo tabuleiro pós -Guerra Fria condena o tratado de proibição dos testes nucleares, cuja integridade os Estados Unidos não conseguem assegurar.
O tratado congela o poder nuclear em mãos de um clube restrito (Estados Unidos, Rússia, Grã-Bretanha, França e China) e enfrenta atos de rebeldia.
Sessenta generais de várias partes do mundo, sobretudo dos Estados Unidos e Europa, entre eles dois ex-comandantes da OTAN, assinaram manifesto pedindo a eliminação total das armas de destruição maciça. “Só assim acabarão os riscos de continuada proliferação”, diz o documento.
Boletim Mundo Ano 6 n° 4

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