terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

COLORADOS FILTRAM A INFLUÊNCIA DO BRASIL NO PARAGUAI

Newton Carlos
O Paraguai, em seus primórdios, foi envolvido pela lenda de que havia um Jardim do Éden no coração da América do Sul. O lar de um povo semi-nômade, predominantemente guarani, contaria com florestas densas, pastos abundantes e rios caudalosos, fontes de todas as curas. Os espanhóis, sob ataques de nativos em Buenos Aires, procuraram refúgio no porto de Assunção tomados pelas fantasias edênicas e, sobretudo, sede de ouro.
Durante 50 anos, de 1537 em diante, Assunção foi quartel-general da conquista espanhola do sul do continente e posto estratégico de resistência à expansão portuguesa para o oeste, a partir do Brasil. Já se passaram quase cinco séculos e as histórias dos dois países nunca deixaram de entrelaçar-se. No bolo, também a Argentina, que se recusou a reconhecer a República do Paraguai, proclamada em 1812, a primeira da América do Sul, movida pela ambição de conservar o território do Vice-Reinado do Prata numa “Grande Argentina”.
Diante de ameaças externas, o homem que personificou a independência paraguaia, José Gaspar Rodriguez de Francia, governante absoluto durante 30 anos, edificou um modelo de auto-suficiência e controle estatal da economia. Em 1855, foi criado o primeiro curso de treinamento de professores e em 1862, ano da morte de Carlos Antonio Lopez, sucessor de Francia, havia no Paraguai 435 escolas com 24.500 alunos. A era de Lopez  tornou-se famosa pela construção da primeira estrada de ferro do Prata e pela instalação de uma fundição de ferro.
Em 1864, com o filho de Lopez, Francisco Solano, no poder, outro triunfo: a primeira linha telegráfica do Prata. A autoconfiança era tanta que Solano Lopez ensaiou mandar tropas em socorro do governo “blanco” do Uruguai, alvo de intervenção brasileira.
A Argentina proibiu a passagem das tropas, deflagrando a guerra. Brasil, Argentina e Uruguai, agora sob controle “colorado”, se juntaram na Tríplice Aliança e arrasaram o Paraguai. Em 1865, início da guerra, a população era de 525 mil. Ficou reduzida a 221 mil em 1871. De homens, sobretudo velhos e crianças, sobraram menos de 29 mil.
Soldados brasileiros, que ocuparam o Paraguai até 1875, foram os responsáveis pela “produção” de uma nova geração de paraguaios. Uma elite emergente de caudilhos, dependente da Tríplice Aliança, dividiu-se entre “liberais” e “colorados”. Os primeiros olhavam para Buenos Aires e representavam capitais anglo-argentinos. Os segundos olhavam para o Rio de Janeiro e subordinavam-se aos interesses do Brasil. Embora esses alinhamentos tenham sofrido a erosão do tempo, o racha do pós-guerra é, ainda, a origem mais remota da interminável tragédia do Paraguai - de Éden, paraíso terreal, a expoente de pobreza, país que nunca sorveu um único gole de democracia.
Em 1932, foi a sangrenta Guerra do Chaco, contra a Bolívia, que perdeu, mas ficou com a parte “petrolífera” do território disputado. Seis “heróis” dessa guerra se sucederam no governo, um dos mais notórios, general Higino Moriningo, conseguiu de Getúlio Vargas promessas de privilégios portuários em Santos e ferrovia de São Paulo a Concepción. Outro, general Alfredo Stroessner, 34 anos no poder, fez curso de artilharia no Brasil, onde acabou se asilando. Com Stroessner, o Partido Colorado recuperou a hegemonia e se tornou um partido-Estado. Funcionários públicos e até militares tinham de filiar-se a ele.
Nos anos 70, a influência brasileira cresceu a ponto de desbancar a Argentina como principal parceiro comercial do Paraguai. Em 1973 começou a construção de Itaipu, considerada o selo da consolidação dessa influência e acelerador migratório. Cresceu rapidamente o fluxo de colonos do Brasil à procura de novo Eldorado, a chamada “região fronteiriça oriental”, reunindo os departamentos de Alto Paraná, Canendiyu e Ambambay.
Os “brasiguaios” já eram 350 mil na metade dos anos 80 e continuaram aumentando.
Um cipoal de conexões forneceu a John Gerassi, autor de A invasão da América Latina a  imagem de empreiteiro brasileiro fazendo obras em Assunção, certamente sobre faturadas,associado a um coronel da terra.
O coloradismo domina há décadas a vida política paraguaia. A crise de agora agravou-se a partir de mais um racha no Partido Colorado, deflagrado em março, que deu no que todos sabemos, inclusive com o presidente desalojado se refugiando no Brasil, com transporte grátis e outras mordomias.
IDENTIDADE GUARANI
Contrabando é uma palavra depreciativa em quase todo o mundo. O Paraguai é uma exceção. Depois da Guerra do Paraguai, o contrabando tornou-se a alternativa de sobrevivência para muita gente. E perdeu - até hoje - aquele ar de coisa feia. Os mesmos paraguaios que passaram a conviver com o contrabando viam o guarani como a língua da saudade. Dos tempos pré-guerra, quando a Fundição de Ybicuí era a mais moderna de toda a região platina.
Não era à toa que os militares que tomaram o poder nos anos 50, com Alfredo Stroessner à frente, empregavam o guarani como instrumento para a consolidação de bases populares de apoio, principalmente no campo. Stroessner e os seus haviam sido simpatizantes do fascismo italiano e construíram seu Partido Colorado à semelhança do Partido Fascista. Um corpo totalizante, que não admitia contestação, impregnava cada aspecto da vida dos paraguaios e apelava aos valores da família e da agricultura, contra a “elite das cidades”, cosmopolita, devassa e democrata. Stroessner foi derrubado em 1989, mas grande parte da estrutura do regime foi mantida. O Partido Colorado continuou no poder e os seus continuaram falando guarani e apresentando-se como representantes da plebe contra a elite de origem espanhola.
Nos anos 90, apareceu no cenário político um talentoso caudilho militar, o general Lino Oviedo. Fluente em guarani, homem de confiança dos chefes do contrabando, do narcotráfico e das máfias orientais, tornou-se o político mais popular do país. Agora, no exílio argentino, só falará em espanhol.
Boletim Mundo Ano 7 n° 3

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