quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

ESCÂNDALO CLINTON TESTA DEMOCRACIA AMERICANA

“Se uma pergunta tão irrelevante fosse feita a George Washington, ele teria varado Starr com sua espada, enquanto Abraham Lincoln o teria jogado pela janela.” A frase é do escritor americano Gore Vidal, ao comentar o interrogatório a que o promotor Kenneth Starr submeteu o presidente Bill Clinton, no curso de investigações sobre suas relações sexuais com Monica Lewinsky. Mas Clinton nem de longe tem a estatura de Washington ou Lincoln. E os tempos são outros.
Washington e Lincoln não tiveram que lidar com a mídia, que transforma tudo em notícia, até a vida íntima (como no caso da princesa Diana, ou em programas tipo “Márcia”, do SBT, em que a roupa suja é lavada diante das câmeras). E mais: foram os próprios políticos americanos que transformaram sua vida íntima em objeto de campanha. A retórica funciona mais ou menos assim: “Sou bom pai de família, amo minha esposa e meus filhos. Posso ser, portanto, bom governante’’. Claro que esse “portanto’’ é pura fantasia: um “ótimo pai de família’’ pode ser péssimo político e vice-versa. O apelo é de ordem moral.
Nos Estados Unidos, a vida íntima dos políticos tornou-se, definitivamente, assunto público com Gary Hart, candidato democrata à Presidência, em 1986. Hart desafiou a imprensa a provar boatos sobre supostas aventuras sexuais. Foi fotografado com uma moça em seu colo, durante um passeio de barco.
Renunciou à carreira política. Antes disso, os políticos até contavam com um certo respeito à sua privacidade.
O presidente John Kennedy, por exemplo, nunca foi seriamente questionado sobre seu romance com Marilyn Monroe.
Mas é preciso evitar uma confusão, freqüente na mídia, sobre o “caso’’ Clinton: a sua relação com Monica só se tornou questão de Estado por envolver, supostamente, falso testemunho dos envolvidos e tentativas presidenciais de obstruir a ação da Justiça. Ninguém - nem mesmo o irado promotor Starr pensou em pedir o impeachment de Clinton por ter mantido um romance com a estagiária, mas sim por ter cometido perjúrio e aliciado testemunhas.
Starr já estava investigando Clinton por dois outros episódios. O primeiro é o seu suposto envolvimento com o esquema de negociatas no projeto de incorporação imobiliária Whitewater, nos anos 80, quando governava o Arkansas. O outro era a acusação de assédio sexual (já arquivada) movida pela funcionária pública Paula Jones. O assunto Monica Lewinsky surgiu no início do ano, graças ao fofoqueiro Matt Drudge.
Ele divulgou em sua página na Internet a informação (até então não comprovada) de que uma moça tinha gravações telefônicas sobre seu caso com Clinton, incluindo práticas sexuais no salão oval da Casa Branca. O assunto se tornou oficial quando a ex-funcionária do Pentágono Linda Tripp entregou a Starr 20 horas de fitas gravadas em que Monica detalhava suas relações sexuais com o presidente.
Clinton negou ter mantido relações sexuais com a moça. Monica declarou, em juízo, ter praticado sexo oral com o presidente. Ora, a lei americana não caracteriza sexo oral como relação sexual, por não envolver contato entre genitálias. Assim, tecnicamente, Clinton estaria dizendo a verdade. Mas, Starr não se deu por satisfeito. Prosseguiu as investigações e ameaçou processar Monica por falso testemunho. Após ter obtido garantia de imunidade judicial - isto é, de que não seria punida, mesmo admitindo ter cometido perjúrio -, a moça declarou, em 6 de agosto, que Clinton acariciou seus seios e genitais. Para provar sua versão, apresentou o vestido manchado com o sêmen presidencial.
Mas disse que Clinton nunca pediu que mentisse.
Foi a gota d'água. Ou melhor, a gota seminal. Clinton teve que ceder os anéis para manter os dedos. Convocou a mídia, em 17 de agosto, e fez o mea culpa. Com ar ensaiado de bom rapaz, declarou ter mantido “relações não apropriadas’’ com Monica, se disse arrependido e que ama a família. Mas isso não encerra o caso. Segundo Starr, amigos do presidente teriam usado sua influência para arranjar empregos para Monica.
E teriam feito favores parecidos a outras testemunhas que inocentaram Clinton em casos anteriores. Para ele, o caso Monica poderá provar que Clinton usa seu poder para obstruir a ação da Justiça.
Nesse quadro tempestuoso, Clinton ordenou ao Pentágono que bombardeasse alvos no Sudão (África) e Afeganistão (Ásia Central). A explicação oficial: os dois países foram alvejados porque, segundo a Casa Branca, abrigam os responsáveis por atentados contra embaixadas americanas na África, praticados em agosto. Os assessores de Clinton negam ter sido uma manobra para desviar as atenções do escândalo sexual. Você acredita neles?
O que está em questão, no escândalo Clinton, não é sua vida íntima, mas sim a vitalidade da democracia americana. Clinton, que já tem uma trajetória recheada de escândalos, obviamente mentiu. A opinião pública, até agora, tem sido tolerante para com o presidente, como reflexo da fase de crescimento e pleno emprego que o mundo globalizado assegura à economia dos Estados Unidos. De um lado, portanto, está o rigor da Lei. De outro, estão a conveniência política e econômica. O grande problema é saber quais são os limites dessa equação.
Boletim Mundo Ano 6 n° 5

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