Beatriz Canepa
Dia sim, dia não, os jornais imprimem manchetes sobre mais um episódio do conflito entre árabes e judeus no Oriente Médio. Depois de conhecer a Síria, o Líbano, a Jordânia e Israel, tenho certeza de que a questão árabe-israelense é apenas um capítulo na história milenar dessas nações. Embora os Estados sejam criações recentes, uma infinidade de povos já ocupou esse estratégico elo entre o Extremo Oriente e o Ocidente, deixando monumentos que merecem ser explorados.
Pudemos conciliar Estados árabes e o Estado judeu no roteiro graças aos acordos de paz de 1991, que abriram a fronteira entre a Jordânia e Israel. No entanto, a única alternativa foi começar pela Síria e pelo Líbano, pois o governo destes países não concede vistos a pessoas que já estiveram em Israel. Quando solicitamos os vistos, respondemos “não” à capciosa pergunta “Have you ever visited occupied Palestine ?” e omitimos nossa intenção de prosseguir até a terra santa.
Só relaxamos depois que atravessamos o setor de imigração no decadente aeroporto de Damasco, a capital mais antiga do mundo, e nos deparamos com um povo educado e hospitaleiro. O alinhamento da Síria com o antigo regime soviético revela-se na arquitetura característica, de construções cinzentas e antiquadas, nos carros ultrapassados e no baixíssimo custo de vida. Gastamos muito pouco com alimentação, transporte e hotel - um jantar no “Almanara” local sai US$ 4 por pessoa e a diária de um quarto básico fica por volta de US$ 15.
Logo na primeira noite, tomamos um tremendo susto: acordamos com explosões que mais pareciam um bombardeio, considerando-se o país em que estávamos. Pela manhã, descobrimos que não passavam de bananas de dinamite derrubando um edifício vizinho. Como a viagem coincidiu com o Ramadã, presenciamos a curiosa rotina dos muçulmanos nesse mês sagrado - os ortodoxos, por exemplo, só trabalham à noite. Assim que o sol nascia, o país parava. Às cinco horas da tarde, os minaretes das mesquitas tocavam rezas anunciando o momento da esperada refeição, após 12 horas de jejum.
Outdoors com a fotografia de Hafez al-Assad estão espalhados por todo canto, de forma que percorremos a Síria sob os olhares vigilantes do dirigente.
Depois de Damasco, visitamos o famoso mercado árabe da cidade de Aleppo, no norte; as ruínas da antiga cidade romana de Palmyra, localizada em um oásis quase na divisa com o Iraque; e o Crac dês Chevaliers, castelo medieval construído pelos cruzados na costa mediterrânea.
Cruzamos a fronteira rumo a Baalbek, no Líbano, para apreciar as maiores colunas romanas já erguidas no mundo. Um dia foi o suficiente para sentir o drama que assola o país. O vale do Beka é uma zona de conflito, ocupado pelos guerrilheiros do Hezbollah e, às vezes, atacado pela força aérea israelense.
No percurso até as ruínas havia, a cada 5 minutos, um check-point militar - ora sírio, ora libanês - com tanques apontados para a nossa Mercedez Benz - modelo 1973 e amarela canarinho!
Nunca me esqueço do sorriso pálido que Mustafá, o motorista, abria para os soldados enquanto íamos captando outros indícios da situação de conflito, latente ou aberto pôsteres do Aiatolá Khomeini, casas bombardeadas e faixas invocando a destruição de Israel. Na volta para a Síria, só aceitaram nosso visto quando Mustafá despejou mais alguns cobres por detrás do balcão Alcançamos Amã, a ocidentalizada capital da Jordânia, após 15 horas de uma cansativa jornada de ônibus iniciada em Hama, na Síria. As principais atrações da Jordânia estão retratadas em dois filmes. As cenas finais de “Indiana Jones e a Última Cruzada” foram rodadas no sítio arqueológico de Petra. Ainda custo a acreditar que as imensas tumbas e templos escavados nas rochas rosadas daquele cânion não são um cenário.
De lá, repetimos a travessia de Lawrence da Arábia pelo deserto de Wadi Rum até o golfo de Aqaba, imortalizada no clássico que leva seu nome.
Só que o oficial inglês fez o trajeto de camelo enquanto nós, em um jipe moderno dirigido por um beduíno. Chegamos ao novíssimo posto fronteiriço de Wadi Araba - que liga Aqaba a Elat - meio apreensivos por causa dos carimbos sírios e libaneses em nosso passaporte. Mas entramos sem problemas em Israel.
Guerra e paz no entorno de Israel
Israel não está mais cercada por países inimigos. Os Acordos de Camp David, em 1979, selaram a paz com o Egito. Os Acordos de Oslo, de 1991, abriram caminho para a normalização das relações com a Jordânia do rei Hussein, que se equilibra entre o nacionalismo árabe e seu pendor pelo Ocidente.
Mas a Síria e o Líbano continuam, tecnicamente, em “estado de guerra” com o Estado judeu.
Desde a Guerra dos Seis Dias, de 1967, Israel mantém uma porção do território sírio - as colinas de Golã - sob ocupação. E, como rescaldo da operação militar que empreendeu no Líbano em 1982, Israel continua a ocupar uma zona-tampão no extremo sul libanês, junto às suas fronteiras setentrionais. No atoleiro atual do processo de paz com a Organização de Libertação da Palestina (OLP), parecem quase nulas as chances de normalização das relações sírio-israelenses.
O Líbano, politicamente, não conta. O seu destino está nas mãos de Assad, que nunca escondeu seu projeto de estabelecimento de uma “Grande Síria”. Entre 1975 e 1990, o Líbano foi dilacerado pela guerra civil entre muçulmanos sunitas, muçulmanos xiitas e cristãos. Na confusão de facções rivais, envolveram-se também os palestinos refugiados, Israel e a Síria. O conflito terminou pela transformação do país em semi-protetorado da Síria, que mantém tropas no norte e no vale oriental do Beka .
Boletim Mundo Ano 6 n° 4
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