quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

SECA, QUE TE QUERO SECA

Calma, que o Brasil é nosso...”.
Provavelmente você nunca ouviu esta expressão, muito comum nos anos 60 e 70. Ela sugeria que, se o fulano tivesse paciência, as coisas, naturalmente, aconteceriam da forma que ele queria. Fazendo algumas mudanças, temos “calma, que a seca é nossa”. Pronto. Eis um retrato perfeito da transformação de um fenômeno natural do Sertão nordestino em instrumento de ação político econômica das oligarquias. É só ter paciência que a seca virá. Com ela, os recursos contra a catástrofe. Que serão monopolizados por latifundiários.
Esses grupos resistiram à consolidação de uma estrutura nacional de poder político e econômico, nas primeiras décadas do século. Até hoje, à força de barganharem seu apoio aos poderosos de plantão - sejam quem forem  mantêm sob controle fatias do Sertão nordestino, monopolizam a água e também a escassez da água. “Calma, que a seca é nossa...”. Talvez o exemplo mais evidente do fôlego centenário das oligarquias seja a família Malta, da região de Canapi, no interior de Alagoas. Os Malta comandam a área há dois séculos.
Sua influência foi diminuindo ao longo do tempo, assim como a importância da economia alagoana – calcada na cana de açúcar. Mas, há poucos anos, uma moça de sobrenome Malta, Rosane, casou-se com um político “moderno”, Fernando Collor de Mello. que, apesar de toda a “modernidade”, valeu-se da nova família para consolidar seu comando no Estado. E, de lá, partir para a vitória nas eleições presidenciais de 1989.
Os colonizadores portugueses deram-se conta do problema da seca no Nordeste já no século XVI. Em 1724, o capitão-mor da província da Paraíba, João Castello Branco, escrevia ao rei de Portugal, D. João V, pedindo recursos para combater os efeitos da catástrofe.
Em 1855, por sugestão do Barão de Capanema e do escritor Gonçalves Dias, a quem o imperador brasileiro Pedro II pedira sugestões para derrotar a seca, desembarcavam no Nordeste 14 camelos e quatro “operadores” dos animais, vindos da Argélia. A idéia era dotar a região de um animal mais resistente, uma vez que a morte em massa de burros e bois na época da seca quase interrompia a ligação entre o litoral e o interior do Nordeste.
A importação dos camelos não deu certo, talvez porque a população desconfiasse daqueles sujeitos de turbante que conduziam os “navios do deserto”.
Já não havia camelos no Nordeste em 1877, quando a seca mais terrível do século dizimou 500 mil pessoas. Fortaleza, no Ceará, perdeu a metade de seus 120 mil habitantes. O próprio imperador, horrorizado, prometeu vender “até a última jóia da coroa” para eliminar o flagelo.
Não vendeu. E a seca prosseguiu, expulsando da região milhares e milhares de camponeses, que não tinham acesso às poucas fontes de água, usadas para alimentar o gado dos “coronéis”. Quem ficava no Sertão, muitas vezes aderia às milícias dos poderosos ou de cangaceiros como Lampião ou Corisco, rebeldes que, em troca de mantimentos e de abrigo, terminavam prestando “servicinhos” aos donos da água.
Enquanto isso, enormes fluxos de migrantes eram atraídos pela mineração de ouro em Minas Gerais e Mato Grosso, no século XVIII; pelas oportunidades de trabalho nas fazendas de café de São Paulo, após o término da escravidão (1888), e pela extração da borracha, na Amazônia do final do século passado. Mais tarde, iriam construir Brasília e fazer funcionar a indústria, no Centro-Sul.
O discurso regionalista aparece como um daqueles que tornam os processos sociais qualidades do espaço geográfico.
Seu argumento básico reside em se tomar as relações entre pessoas e classes como relações entre lugares. Avalia-se: São Paulo explora o Nordeste. Esquecendo-se que lugares não são sujeitos. Somente pessoas podem explorar lugares e pessoas.
(...) O regionalismo persiste num Brasil onde capitais de grandes grupos nordestinos são aplicados em shopping-centers paulistanos, onde grandes proprietários “gaúchos” podem só possuir fazendas em Mato Grosso, e assim por diante.
(Antonio Carlos Robert Moraes, Ideologias geográficas, São Paulo, Hucitec,1988, p. 102-103)
Fala, Euclides
Os trechos a seguir - sobre a seca - fazem parte do clássico Os sertões, que o carioca Euclides da Cunha (1866-1909) escreveu quando cobria, como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, o ataque das tropas federais aos rebeldes de Canudos, sob a liderança de Antônio Conselheiro. Esmagada em 1897, com um saldo de 25 mil mortos, Canudos foi a mais importante rebelião, no Nordeste, contra o Estado nacional centralizado, que a recém proclamada República tentava implantar, a ferro e fogo. É bom lembrar que Conselheiro teve o apoio de vários “coronéis” locais - eles temiam que a República eliminasse a sua influência regional.
“De fato, os seus ciclos (n°. da seca) – porque o são no rigorismo técnico do termo – abrem-se e encerram-se com um ritmo tão notável, que recordam o desdobramento de uma lei natural, ainda ignorada (...)”
“(...) De qualquer forma ressalta à simples contemplação uma coincidência repetida bastante para que se remova a intrusão do acaso.
Assim, para citarmos apenas as maiores, as secas de 1710-1711, 1723-1727, 1736-1737, 1744-1745, 1777-1778, do século XVIII, se justapõem às de 1808-1909, 1824-1825, 1835-1837, 1844-1845, 1877-1879, do atual. Esta coincidência, espelhando-se quase invariável, como se surgisse do decalque de uma quadra  sobre a outra...”
O que é clima semi-árido
Numa das definições mais comuns do clima semi-árido, afirma-se que ele é “um termo genérico usado para indicar climas que ocorrem na periferia dos desertos, dotados de estação seca prolongada, independentemente de suas condições térmicas, ecológicas e biológicas.” As áreas de climas semi-áridos no Brasil correspondem a uma superfície de cerca de 1 milhão de km2, encravada no interior do domínio tropical. Esse “bolsão”, onde a pluviosidade é relativamente baixa (menos de 600 mm. anuais), localiza-se numa parte da Região Nordeste conhecida como Sertão, que se estende desde os litorais do Ceará e Rio Grande do Norte até o médio vale do rio São Francisco, no norte de Minas Gerais.
Diferentemente do que a definição inicial sugere, o Sertão semi-árido não está localizado na periferia de áreas desérticas. Além disso, mais que uma estação seca prolongada, a característica principal do semi-árido nordestino é a irregularidade das chuvas. Assim, podem ocorrer anos extremamente secos, intercalados por outros com expressivos índices pluviométricos.
Apesar de conhecidas há muito, as causas que originam as secas no Sertão ainda não estão satisfatoriamente explicadas. Mas sabe-se que a dinâmica da circulação atmosférica regional e zonal, combinada com a ocorrência de eventos como a ação do El Niño, contribuem em grande medida para a ocorrência desse fenômeno, de conseqüências sociais dramáticas.
Boletim Mundo Ano 6 n° 4

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