domingo, 20 de fevereiro de 2011

REVOLUÇÃO DOS CRAVOS FAZ 25 ANOS

Em abril de 1974, a “primavera portuguesa” punha fim à ditadura salazarista em Portugal e abria espaço para a independência de suas colônias na África.
A canção, tocada por várias emissoras de rádio de Portugal ao redor da zero hora de 25 de abril de 1974, deu o sinal secreto para que oficiais rebeldes espalhados pelos quartéis de todo o país e das colônias na África Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde  prendessem seus superiores. Era o Movimento das Forças Armadas, disposto a derrubar o governo do primeiro-ministro Marcello Caetano, herdeiro do ditador de extrema direita e ultra-católico Oliveira Salazar, que dominou Portugal de 1932 a 1968.
O povo saiu às ruas das principais cidades em apoio aos oficiais revoltosos.
Pacifistas mas ousados, os manifestantes colocavam cravos na boca das armas dos soldados mobilizados pelo governo para reprimir o movimento. Esse gesto foi tão marcante que acabou dando nome ao processo em curso. Em pouco tempo, o movimento conquistou as simpatias de amplas camadas sociais, mostrando que Marcello Caetano não tinha mais apoio nem dentro nem fora dos quartéis. O novo homem-forte era o general António de Spinola, que prometeu eleições livres em um ano. Mas os  partidos Socialista, Comunista, e vários outros grupos de esquerda jogavam um papel decisivo na revolução.
Uma das principais razões pelas quais o movimento ganhou apoio da sociedade foi o fato de que Portugal estava esgotado pelas guerras contra os movimentos que lutavam pela independência das colônias africanas. Mais de oito mil jovens portugueses haviam morrido e outros 28 mil ficaram feridos nesses conflitos. E a guerra sugava 40% do orçamento de um dos países mais pobres da Europa.
A queda de Caetano abriu caminho a negociações que levaram à independência de Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde. Foi um golpe duro para os últimos regimes de minoria branca da África, na Rodésia, Namíbia e África do Sul.
Com apoio da antiga União Soviética e de Cuba, movimentos de esquerda assumiram o poder nas ex-colônias portuguesas, introduzindo novas questões para o desenvolvimento da Guerra Fria na África. Os choques entre esses Estados e os regimes racistas africanos (que contavam com o respaldo da Casa Branca) tornaram-se um dos principais focos de tensão entre Moscou e Washington, nas décadas de 70 e 80.
Mas e Portugal? Por alguns meses, rondou por lá o espectro de uma revolução socialista, bem nas barbas da Otan.
Bancos e grandes empresas foram estatizados e o novo governo fez uma reforma agrária radical, com o objetivo de liquidar um absurdo legado de atraso e miséria deixado por mais de três décadas de ditadura salazarista. Temendo que Lisboa fosse transformar-se em uma espécie de nova Moscou, dessa vez à beira do Tejo, quem tinha dinheiro retirou-o do país. Os investimentos, nacionais e estrangeiros, sumiram. A Europa prendeu o fôlego. Por mais que Portugal fosse um Estado “isolado”, uma revolução desse porte teria grandes implicações regionais, com reflexos no xadrez da Guerra Fria.
Mas a perspectiva de um empobrecimento maior, que levaria a um desgaste da revolução, fez com que muitas lideranças de esquerda moderassem suas posições.
Nas eleições de 1975, o Partido Socialista foi conduzido ao poder. O Partido Comunista e as forças de extrema-esquerda perdiam popularidade. Nos anos seguintes, a atitude moderada dos socialistas — o chamado giro ao centro — seria decisivo para limitar o alcance das reformas econômicas em Portugal, afastar  o fantasma de uma revolução vermelha e trazer de volta, aos poucos, o dinheiro e os quadros técnicos que haviam deixado o país.
Restou, como grande legado da Revolução dos Cravos, a consolidação da democracia, passaporte para que Portugal se integrasse à União Européia .
O PREÇO DE SER EUROPEU
Se você gosta de emoções fortes, experimente dizer a algum português que a integração à Comunidade Econômica Européia (agora União Européia), em 1986, foi a forma que seu país encontrou para entrar na Europa. É provável que você receba uma resposta “atravessada”. Mas há muita verdade nessa anedota. Historicamente, Portugal desenvolveu uma vocação geopolítica muito mais voltada para as suas colônias na América, Ásia e África .
 Durante a ditadura salazarista (1932 - 1968), e mesmo depois, até a Revolução dos Cravos, Portugal viveu um regime de extrema insularidade  política e cultural, marcado pelo atraso e pobreza (principalmente, no meio rural), pelo autoritarismo fascistóide. A revolução liberou o país dos grilhões dos salazarismo e permitiu a abertura do diálogo com a Europa. Hoje, Portugal é uma espécie de “primo pobre” dos europeus ricos. Mas paga um elevado preço para isso.
Aparentemente, os indicadores econômicos configuram o perfil de um país que prospera. Em 1997, seu Produto Interno Bruto superou, pela primeira vez, a cifra dos US$ 100 bilhões, mais do que o dobro do PIB de 1989, quando o país começou o seu programa de privatizações. Com o objetivo de atingir um perfil econômico estável, considerado necessário à adoção da moeda única européia (o euro), Portugal teve que alcançar e manter metas rigorosas estabelecidas pelo Acordo de Maastricht (inflação nunca maior do que 1,5 ponto e taxas de juros de longo prazo nunca superiores a 2 pontos acima da média dos três índices mais baixos da UE, déficit público nunca superior a 3% do PIB, dívidas do governo nunca superior a 60% do PIB, além, é claro, de estabilidade monetária).
Mas mágica não existe. Como explicar, então, a trajetória de um país que até o final dos anos 70 era um dos mais atrasados da Europa, para a situação atual? Uma das respostas reside no fato de que, ao despertar do sono salazarista, Portugal pôde estimular setores vitais de sua economia, como turismo e serviços, antes paralisados ou mal explorados. O programa de privatizações e a abertura para o mundo também geraram um rápido processo de transferência de trabalhadores do campo para a cidade (o emprego na agricultura, que há duas décadas representava cerca de 1/3 do total da força de trabalho, hoje não supera os 5%). E - questão central - tudo isso com grandes “atrativos” para investidores estrangeiros (em Portugal o custo da mão-de-obra é um dos mais baixos da Europa).
Os portugueses trabalham mais (48 horas semanais, oito acima da média da UE), e ganham muito menos. Dados coletados em 28 países europeus, em 1995, mostram que Portugal ocupava o 26º lugar em termos de valor da hora de trabalho (US$ 5,35, comparados  com US$ 12,70 na Espanha, US$ 13,77 na Grã-Bretanha, US$ 16,48 na Itália, US$ 19,35 na França e US$ 31,88 na Alemanha). Outro estudo, do Instituto de Economia da Alemanha, mostrou que, em 1996, Portugal estava em último lugar entre 21 países industrializados, pagando, por hora, US$ 6,54, muito abaixo da penúltima colocada, a pobre Grécia (US$ 9,84). Não por acaso, Portugal exibe um dos mais elevados índices de trabalhadores que ocupam mais de um emprego (5,6%, quando a média européia é de 3,4%).
O resultado disso tudo é uma clara tendência ao crescimento das desigualdades e tensões sociais. Enquanto alguns setores “de ponta” da economia recebem os benefícios da integração à UE — como é o caso da Telecom portuguesa, que participou do processo de privatização da Telebrás —, outros amargam o arrocho salarial. A adoção da moeda única tende a agravar esse quadro. Enquanto havia apenas uma estratégia monetária comum, Portugal tinha a possibilidade de, mediante ajustes internos, deslocar recursos para as regiões mais pobres e controlar socialmente os seus déficits das contas públicas. Agora, isso acabou. Todas as regiões terão que se ajustar a um padrão único, não importa se a região é o Além-Tejo ou Berlim.
Será — já está sendo — alto o preço da integração.
Boletim Mundo Ano 7 n° 2

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